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2006/12/05

Memórias das minhas Aldeias
Parte II – N.º 12 

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Os irmãos Cruz quiseram confirmar no dia seguinte tudo o que o padre superior da missão lhes dissera do assunto óleo de palma, sabão e movimento de trocas comerciais que isso iria suscitar, para vir a ter sucesso seguro.

O superior aconselhou-os a que fossem pelos mercados da região e que perguntassem o máximo sobre tudo, principalmente as dúvidas que, julgava ele adivinhar, os estariam paralisando ou deixando em suspenso.

É certo que os preferia assim, em vez de precipitados nos rompantes e superficiais nos entusiasmos juvenis.

Mas, quando voltaram duas semanas depois, percebeu logo, antes mesmo de falarem, mas com os olhos e os sorrisos a brilharem de longe, que a disposição dos rapazes era agora muito mais segura. E mais, e isso ainda mais tranquilizante e animador: que tinham adoptado completamente o projecto como coisa sua desde sempre. Restavam, no entanto, algumas incertezas.

Por exemplo: ninguém ali alguma vez produzira sabão, muito menos em escala industrial, a não ser o que em cada casa ou sanzala se fazia artesanalmente e em quantidades apenas para o trato doméstico.

Raul lembrava, porém, a solução que não parecia má e julgaram viável.

Pediriam informações para Lisboa, deveria haver instruções escritas.

O superior comprometeu-se a empenhar nisso o seu Geral, sedeado na capital, e o provincial, com sede em Luanda.

E depois? Quem orientaria o processo produtivo?

“Tu mesmo, nós mesmos, doze horas cada um, todos os dias, a fábrica a trabalhar o dia inteiro” – respondeu Raul sem hesitações.

Outra vez Raul surpreendia o irmão mais velho, por se ter antecipado a encontrar soluções para tudo.

“E contas? – retorquiu Manuel, com certa esperança de encontrá-lo desprevenido. – Quanto vai custar o equipamento?... A construção?... As matérias primas?...A orientação técnica?... O fabrico?... O armazenamento?... A expedição e a distribuição?... O escritório a funcionar?... Enfim…”

Mas Raul ainda outra vez surpreendeu o irmão.

Com um gesto largo e de alto, estendeu ao irmão primogénito um extenso papel cheio de números e explicações, tudo distribuído por colunas bem arrumadas.

“Foi então isto que estiveste a fazer esta noite, fechado no quarto até às tantas!...”

Tirara Raul em Seia, cinco anos antes, um curso de contabilidade por correspondência que agora lhe servira para deixar Manuel de boca aberta.

“Mas – logo esclareceu – há aí muitos pontos de interrogação e perguntas para que já pedi as repostas aos meus monitores de contabilidade e economia, em Lisboa. Dentro de dois ou três meses, tenho cá as respostas todas, vais ver.”

- Não duvido. Podes é não ter feito todas as perguntas necessárias… - acautelou o bom senso de Manuel.

- Pode sempre acontecer… - respondeu Raul calmamente – Ah! Quanto à instalação para a fábrica, armazéns, escritório… Tenho a certeza de que aqui na missão há-de haver um barracão suficiente para tudo, ao menos de começo, enquanto o negócio não se desenvolve muito…

A reacção negativa do superior surpreendeu-os. Mas era simples. O padre superior não queria misturar a missão com os negócios. Seria contraproducente em absoluto, explicou. No entanto, arranjar-lhes-ia, na vila, o lugar certo, poderiam ir vê-lo essa tarde, caso a pressa fosse grande. Em troca, acrescentou o padre superior, esperava que houvesse na fábrica uns tantos lugares para empregar alguma gente de confiança da missão…

“Fica garantida prioridade para gente sua, Padre superior!” – respondeu de pronto Manuel Cruz, estendendo o braço como se jurasse, profundamente sério.

“Mas olhe que, acima de tudo, vamos exigir rendimento e qualidade!” – acrescentou a tempo, para que não ficassem dúvidas e nem mesmo o padre superior pudesse esperar cedências ou puros favores nessas matérias.

O padre superior pôs-se muito direito, juntou as mãos em gesto de oração enquanto os dois irmãos, compreendendo sem hesitações a solenidade do momento, baixavam as cabeças e aguardavam, já de joelhos, a bênção do padre, para si próprios e para a iniciativa em que iam todos arriscar, eles tudo o que tinham e o padre superior o seu nome e o prestígio e responsabilidade da Igreja.

Mas Manuel sentia-se absolutamente seguro.

Porque não podia deixar de pensar, naquele instante mesmo, que cinco anos do negócio de escravos, e de grandes mestres nessas andanças, não podiam deixar de ter-lhes granjeado excelente experiência e calo para qualquer negócio. Fossem quais fossem as surpresas e os sacrifícios que isso custasse. Incluindo comer chicuanga dias a fio, a comida dominante dos negros de toda a região, à base de mandioca amassada com sal e água, que provara uma vez num mercado em Basankusu, e que todas as vezes rejeitara com vómitos, depois disso.

A.C.R.

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