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2006/02/22

Memórias da minha Aldeia (24) 

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A morte de Estanislau Xavier de Pina é um dos episódios últimos dela.

Segundo a tradição, foi o capitão João Brandão, da 5ª Companhia do Batalhão nacional de São João d` Areias, quem o matou, criminosamente, numa emboscada que lhe armou próximo de Lourosa, do concelho de Oliveira do Hospital, em 8 de Janeiro de 1850.

Mas a crer na versão deste cacique e quadrilheiro liberal, Xavier de Pina foi morto naquele dia, de facto perto de Lourosa, por uma bala disparada por um qualquer soldado dum destacamento daquela companhia, conduzido pelo próprio João Brandão para ir em perseguição de Estanislau de Pina e da guerrilha que levaria consigo.

Com essa versão, foi João Brandão “absolvido” pelos seus superiores hierárquicos, do foro militar e do foro civil, da acusação de ter pessoalmente assassinado o miguelista Estanislau de Pina.

Tais superiores louvaram-no, aliás, largamente pelo contributo do seu feito para a garantia da ordem nas Beiras e para a liquidação dum conhecido e velho provocador que se preparava para a abalar perigosamente, pondo em questão os fundamentos dela já ultimamente recuperados, com tanto sangue, suor e lágrimas.

Mas a tradição acusa os testemunhos alegados pelas autoridades superiores de terem deturpado e mentido descaradamente e acusa as mesmas autoridades de parcialidade e partidarismo, deixando-se manipular por agentes locais da ocasião, do governador civil de Coimbra e do administrador do concelho de Avô para baixo, que não visavam outra coisa senão liquidar a todo o preço Estanislau de Pina.

Acusaram-no de, na altura em que foi surpreendido por João Brandão (que só teria dado a ordem de fogo) e em que por este foi morto ou por um dos soldados dele, Estanislau de Pina se deslocar à testa da sua guerrilha de seis homens que ninguém identificou e que não ripostaram aos tiros do destacamento militar de João Brandão.

Fraca guerrilha, fraquíssimos guerrilheiros.

Os defensores de Estanislau de Pina alegaram, por seu lado, que este ia sozinho, ou acompanhado apenas por um criado, em busca de uma casa honesta em Lourosa, onde deixar uma neta viúva, por razões de recato familiar recomendável.

Outros disseram querer o avô subtraí-la, precisamente, aos requestos nada recomendáveis do próprio João Brandão.

Na verdade, que mal podia andar a fazer um Estanislau de Pina, segundo testemunhos contemporâneos já na altura muito envelhecido e diminuído, “um velho alquebrado pelos sofrimentos e cheio de desilusões da vida”, ainda para mais numa conjuntura em que o País começava a estar pacificado e toda a gente já só aspirava à paz e ao conforto dos bons negócios, os que tinham acesso a eles?

Uma simples vingança, executada à pressa, antes que a guerra acabasse?...

Tanto assim que, no ano seguinte, ao próprio nível governamental se mostravam criadas condições para o País iniciar uma fase radicalmente nova da sua História, após mais de quarenta anos de vida quotidiana atribuladíssima.

Muito longe iam os tempos em que Estanislau de Pina irrompera na vida nacional pós-1834 e pós- vitória dos liberais desembarcados no Mindelo.

Tinha entretanto havido a vitória da revolução de Setembro, como já foi lembrado, a qual veio alimentar mais as esperanças de restauração do miguelismo, “quer porque os constitucionais estavam fraccionados em grupos irredutíveis, quer porque os setembristas se tinham aliado com muitos absolutistas para melhor combaterem os cartistas”.

Esse reforço das esperanças de restauração miguelista, animadas ainda por exemplos do estrangeiro e do Remexido no sul, faz que surjam em vários pontos das Beiras focos de guerrilha anti-constitucional.

Um desses focos é Loriga, em plena Serra da Estrela, com cento e oitenta homens armados, bom número deles vindos dos milicianos de Santa Comba, que conheciam bem Estanislau de Pina da ponte do Pindelo, e outros originários do “batalhão de voluntários realistas de Seia” que Estanislau forjara.

Não admira pois que, com este currículo e o rigor das suas convicções, Xavier de Pina se tenha rapidamente tornado a figura emblemática da “guerrilha da Serra”, originariamente “guerrilha de Loriga”, admirado por todos como um extraordinário e permanente manancial de entusiasmo lúcido.

As tácticas que a guerrilha criou e desenvolveu de combate de montanha, inédito depois de Viriato, fizeram que muitos conhecessem o chefe Estanislau Xavier, seu autor, como “o Viriato contra-revolucionário”, um título que ao longo da vida o encheria sempre de orgulho cada vez que lho lembravam, amigos, admiradores e adversários.

Muitas vezes, recordar isto fazia-lhe no íntimo uma tempestade de saudades, saudades de si próprio, do homem que fora, a quem nada fazia temor ou hesitação e que tudo dominava à sua volta, sem arrogância nem soberba, apenas pela força e superioridade que de si emanava e só por si se impunha sem humilhar, antes fazia os outros sentirem-se mais seguros deles próprios.

Mas os tempos não voltariam a ser esses, os seus tempos.

Os tempos seriam definitivamente outros.

Pressentira-o pouco antes de morrer, antes de lhe aparecer, na cilada duma curva dos caminhos, o “anjo exterminador” que sempre o odiara.

A maioria dos Portugueses ansiava pelos tempos novos da Regeneração que viria daí a meses.

Tempos de Paz.

A guerra finalmente banida e para sempre execrada.

Os tempos seriam definitivamente outros.

E tempos de outra gente.

O tempo dos aproveitadores.
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António da Cruz Rodrigues (A.C.R.)

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