2006/02/21
Memórias da minha Aldeia (23)
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Por isso, ou nem só por isso, depressa a guerra recomeçou em força, mas entre bandos de guerrilheiros ou, quase sempre, pouco mais que bandos, mas tanto mais bandos, e mais temidos, impunes ou respeitados, quanto mais assassinos.
Porque todos – do lado miguelista ou do lado liberal – todos tinham duas armas principais, o roubo e o assassinato, mas de preferência este, sempre que podia ser este, e quanto mais assassínios de cada vez, tanto melhor.
Por outro lado, todos os bandos eram fortemente politizados, nos primeiros anos; cada um deles estava certo de salvar o País, um País que ainda era o mundo, até à perda do Brasil que, embora perdido, não deixara ainda de ser o mercado principal, o destino eleito do comércio de escravos da Guiné, de Angola, do Congo, origem de tantas grossas fortunas que começavam a tornar-se inconfessáveis porque aos Ingleses, a super-potência mundial de então, metera-se-lhes na cabeça acabar com tal negócio.
Entre outras razões, julgando estrangular as suas antigas colónias da América do Norte, tornadas independentes?
Se o tivessem conseguido, que formidável erro histórico teria sido, sem haver depois quem lhes salvasse a pele e o pêlo em 1914-1918 e em 1939-1945 e em 1951-1991!...
Mas Angola, a Guiné e o Congo é que não se salvaram do desastre que para eles e seus sobas locais foi a supressão do comércio de escravos…
Levou ela os Estados europeus a partir a África em enormes herdades donde tiveram a inspiração de lhes sacarem todas as outras riquezas possíveis, que compensavam o perdido negócio de escravos.
E depois?
Não estaremos a anteciparmo-nos desnecessariamente e até menos a propósito do que mandam as boas regras e práticas literárias?
Vale a pena, em todo o caso, dizer já que relativamente cedo os miguelistas compreenderam a inviabilidade da tarefa em que se haviam metido de vencer os liberais frontalmente.
E vice-versa, para alguns liberais.
Os miguelistas compreenderam que era urgente mudar de tácticas.
Depois de muitas dezenas, talvez centenas de homens assassinados, ou mortos em tiroteios em toda a Beira, principalmente nos Distritos de Coimbra e da Guarda; depois de muitas casas, armazéns de azeite e de cereais, adegas e estabelecimentos comerciais destruídos por tiroteios ou fogos criminosamente ateados; depois de por toda a parte se espalharem as ameaças mais graves, as vinganças, a “terra queimada”, a chantagem, a insegurança e o terror generalizados, alguns cabecilhas miguelistas propuseram a outras facções uma reunião para tratar do cessar-fogo.
Eram eles Estanislau Xavier de Pina, de Várzea de Meruge, Agostinho Vaz Pato de Abreu e Castro, de Santa Ovaia, o Dr. Luís Paulino, o Padre Joaquim, seu irmão, e José Mendes Poeta, de Sameice.
Os Brandões de Midões, liberais, de que o chefe mais conhecido era e é o famoso João Brandão, aceitaram o convite e a reunião efectuou-se em Gavinhos, uma aldeia ao pé de Oliveira de Hospital, num dia creio que de 1837, já depois da revolução setembrista, de 1836, que fez aproximarem-se, nesta altura, os miguelistas mais inteligentes e alguns liberais moderados.
Daí o convénio de Gavinhos, que terá sido meramente verbal, respeitado talvez por algum tempo por uns tantos, até ser ignorado por quase todos, mas não, creio bem, por Estanislau Xavier de Pina, que pode ter sido, com Agostinho Vaz Pato, o estratega da operação diplomática de Gavinhos.
Os miguelistas da iniciativa tinham compreendido que, pelo caminho que as coisas levavam, quando D. Miguel voltasse a Portugal, como esperavam ou acreditavam, não encontraria Portugal para governar…
Por outro lado, a revolução setembrista do ano anterior dava-lhes esperança de que as divisões entre liberais se agravariam cada vez mais, como efectivamente já se via, e mais se veria no futuro, com os liberais de esquerda em defesa da Constituição de 1822, extremista, e os liberais de direita unindo-se em defesa da Carta Constitucional, relativamente mais moderada, apesar de tudo.
Esta possibilidade de aprofundar as divisões entre os inimigos liberais aumentava nos miguelistas a esperança de voltarem um dia a governar, aliando-se ora a uns, ora a outros.
Entende-se, por isso, que nenhum miguelista pudesse, sinceramente e por muito tempo, acreditar que depor imponderadamente as armas seria vantajoso para a sua causa.
Incluindo, naturalmente, o próprio Estanislau Xavier de Pina, que tinha já investido muito na defesa das suas convicções e talvez aprendido a ser ardiloso quanto baste.
Daí que a guerra tenha durado ainda anos demais.
A.C.R.
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Por isso, ou nem só por isso, depressa a guerra recomeçou em força, mas entre bandos de guerrilheiros ou, quase sempre, pouco mais que bandos, mas tanto mais bandos, e mais temidos, impunes ou respeitados, quanto mais assassinos.
Porque todos – do lado miguelista ou do lado liberal – todos tinham duas armas principais, o roubo e o assassinato, mas de preferência este, sempre que podia ser este, e quanto mais assassínios de cada vez, tanto melhor.
Por outro lado, todos os bandos eram fortemente politizados, nos primeiros anos; cada um deles estava certo de salvar o País, um País que ainda era o mundo, até à perda do Brasil que, embora perdido, não deixara ainda de ser o mercado principal, o destino eleito do comércio de escravos da Guiné, de Angola, do Congo, origem de tantas grossas fortunas que começavam a tornar-se inconfessáveis porque aos Ingleses, a super-potência mundial de então, metera-se-lhes na cabeça acabar com tal negócio.
Entre outras razões, julgando estrangular as suas antigas colónias da América do Norte, tornadas independentes?
Se o tivessem conseguido, que formidável erro histórico teria sido, sem haver depois quem lhes salvasse a pele e o pêlo em 1914-1918 e em 1939-1945 e em 1951-1991!...
Mas Angola, a Guiné e o Congo é que não se salvaram do desastre que para eles e seus sobas locais foi a supressão do comércio de escravos…
Levou ela os Estados europeus a partir a África em enormes herdades donde tiveram a inspiração de lhes sacarem todas as outras riquezas possíveis, que compensavam o perdido negócio de escravos.
E depois?
Não estaremos a anteciparmo-nos desnecessariamente e até menos a propósito do que mandam as boas regras e práticas literárias?
Vale a pena, em todo o caso, dizer já que relativamente cedo os miguelistas compreenderam a inviabilidade da tarefa em que se haviam metido de vencer os liberais frontalmente.
E vice-versa, para alguns liberais.
Os miguelistas compreenderam que era urgente mudar de tácticas.
Depois de muitas dezenas, talvez centenas de homens assassinados, ou mortos em tiroteios em toda a Beira, principalmente nos Distritos de Coimbra e da Guarda; depois de muitas casas, armazéns de azeite e de cereais, adegas e estabelecimentos comerciais destruídos por tiroteios ou fogos criminosamente ateados; depois de por toda a parte se espalharem as ameaças mais graves, as vinganças, a “terra queimada”, a chantagem, a insegurança e o terror generalizados, alguns cabecilhas miguelistas propuseram a outras facções uma reunião para tratar do cessar-fogo.
Eram eles Estanislau Xavier de Pina, de Várzea de Meruge, Agostinho Vaz Pato de Abreu e Castro, de Santa Ovaia, o Dr. Luís Paulino, o Padre Joaquim, seu irmão, e José Mendes Poeta, de Sameice.
Os Brandões de Midões, liberais, de que o chefe mais conhecido era e é o famoso João Brandão, aceitaram o convite e a reunião efectuou-se em Gavinhos, uma aldeia ao pé de Oliveira de Hospital, num dia creio que de 1837, já depois da revolução setembrista, de 1836, que fez aproximarem-se, nesta altura, os miguelistas mais inteligentes e alguns liberais moderados.
Daí o convénio de Gavinhos, que terá sido meramente verbal, respeitado talvez por algum tempo por uns tantos, até ser ignorado por quase todos, mas não, creio bem, por Estanislau Xavier de Pina, que pode ter sido, com Agostinho Vaz Pato, o estratega da operação diplomática de Gavinhos.
Os miguelistas da iniciativa tinham compreendido que, pelo caminho que as coisas levavam, quando D. Miguel voltasse a Portugal, como esperavam ou acreditavam, não encontraria Portugal para governar…
Por outro lado, a revolução setembrista do ano anterior dava-lhes esperança de que as divisões entre liberais se agravariam cada vez mais, como efectivamente já se via, e mais se veria no futuro, com os liberais de esquerda em defesa da Constituição de 1822, extremista, e os liberais de direita unindo-se em defesa da Carta Constitucional, relativamente mais moderada, apesar de tudo.
Esta possibilidade de aprofundar as divisões entre os inimigos liberais aumentava nos miguelistas a esperança de voltarem um dia a governar, aliando-se ora a uns, ora a outros.
Entende-se, por isso, que nenhum miguelista pudesse, sinceramente e por muito tempo, acreditar que depor imponderadamente as armas seria vantajoso para a sua causa.
Incluindo, naturalmente, o próprio Estanislau Xavier de Pina, que tinha já investido muito na defesa das suas convicções e talvez aprendido a ser ardiloso quanto baste.
Daí que a guerra tenha durado ainda anos demais.
A.C.R.
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