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2005/04/13

Cobrar na vida e compensar na morte 

Depois de constatar os milhões de pessoas anónimas que passaram por S. Pedro na passada semana e o destaque que isso mereceu em tantas cadeias televisivas e demais media, não é possível esquecer como João Paulo II detinha uma série de condições que faziam prever a reacção da opinião pública bem ao contrário daquela que se viu.

Porquê?

Porque foi um Papa extremamente maltratado pela generalidade da comunicação social enquanto vivo. Apresentado como pregador de uma doutrina moral conservadora e retrógrada, muito à ré da modernidade (são sempre eles que definem os conceitos e as regras do jogo), nos últimos 10 anos a grande preocupação informativa foi a sua (falta de) saúde, a sua resignação e a sua morte. Na verdade, a malta da informação já o tinha morto há vários anos. Houve até um periódico português – de referência, claro – que no dia 26 de Março de 1994 anunciava na última página a resignação para muito breve. Quem descobre?

A comunicação social é assim: cobra na vida e paga na morte.

João Paulo II, em vida, conseguiu comunicar com o mundo apesar da comunicação social.

Como se explica tal adesão a uma personalidade tão criticada e mal vista nos media e pelos media? Como se explica a mobilização da juventude por ele efectuada, numa época em que fora declarada a superação do religioso e do sagrado, numa época em que se operaria a transmutação de todos os valores e o super-homem irromperia como criador do seu próprio destino?

Talvez porque João Paulo II desfez todas as caricaturas à volta do ser cristão, rompendo com uma série de lugares-comuns criados para inferiorizar quem quisesse viver seriamente como digno desse nome: um desportista, amante da natureza e das montanhas, porte atlético, um refinado sentido de humor, alta craveira intelectual, sentido estético, a capacidade de falar e de se enfrentar com pessoas das mais variadas proveniências, a alegria de viver, a exigência...

Tudo aquilo que fez Bergson dizer que “homem completo é aquele age como homem de pensamento e pensa como homem de acção”.

Tudo isto fez os jovens compreender que viver em cristão significa, entre outras coisas, elevar e encontrar a plenitude do que é humano.

Isto é, de si próprios.

Manuel Brás
manuelbras@portugalmail.pt

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