2004/09/23
Uma noite em cheio
Foi aquela que presenciámos no “Prós e Contras” de 20 de Setembro sobre educação.
Felizmente, hoje em dia já ninguém tem esperança no actual sistema de ensino, nem dúvidas quanto ao seu declínio. E digo felizmente porque é bom estarmos lúcidos quanto ao que não presta e é uma infelicidade estar iludido.
O sistema agoniza. E não creio que seja por causa de uma mera questão técnica de colocação de professores – o contrário é que talvez seja verdade – que não deixa de ter a sua gravidade e de causar ansiedade. Mas, caramba, não houve tanto tempo em que as aulas começavam a 7 de Outubro e acabavam em Junho e as crianças aprendiam três vezes mais que agora? Então?...
Demitir a ministra ao fim de dois meses? Para quê? Será que com outro ministro o sistema informático funciona melhor? Mas não é a ministra que opera com o sistema nem interfere nas regras de classificação de professores...
Será que todos estes falhanços técnicos sucedem por acaso? Onde estão os seus mais directos responsáveis? Ou haverá gente interessada em inquinar o processo para tirar daí vitórias políticas? Quem sabe?...
Pela forma como a apresentadora orientava as perguntas a dois alunos – um do ensino particular e outro do estatal – via-se que estava incumbida da missão de demonstrar – desse lá para onde desse – que no ensino estatal, nem a insegurança nem o absentismo dos professores são problemas maiores, e que até têm vantagens porque aí os alunos são menos protegidos a aprendem a safar-se melhor. De onde se pode concluir que, afinal, é a insegurança e o absentismo docente que melhor preparam os alunos para a vida...
A grande questão ausente foi a razão de ser da habitual renitência do estatalismo reinante em tratar igualmente os ensinos estatal e particular, especialmente no que toca a reconhecer este último como serviço público que é, de facto. Com diversidade, com particularidade, muito mais feito à medida das famílias e, por conseguinte, público.
Discriminação que, pelas consequências ao nível económico que comporta, introduz, de facto, desigualdades no livre acesso das famílias a um determinado projecto de ensino. A mentalidade estatalista pretende combater, qual ficção, as diferenças económicas – que sempre têm existido nas sociedades desde a noite dos tempos, quer se goste ou não – à custa de introduzir artificialmente discriminações com base em preconceitos ideológicos.
Em qualquer caso, a grande revelação deste “Prós e Contras” foi a Profª Fátima Bonifácio que, com o pouco que falou, disse mais que todos os outros juntos. Ela sabia o que estava a dizer: em suma, que ministro após ministro, reforma após reforma, as teorias do ME são as mesmas de há três ou quatro décadas; entre eliminar o esforço em favor de um suposto carácter lúdico do ensino e prazenteiro da aprendizagem e elaborar projectos e mais projectos, programações e planificações por tudo e por nada, a actividade docente tranformou-se numa verdadeira engenharia inútil, em que se aplaude o transmissor e se mata o mestre. Eis a nota dominante do ensino em Portugal: o sistema de ensino é o ensino do sistema.
Porque não aproveitar a ocasião para mudar o ME em vez da ministra?
Manuel Brás
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