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2004/01/09

DAR VOZ AOS QUE NÃO TÊM AINDA VOZ 

ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX

Licenciado em Finanças. Foi Presidente do C.A. da “Coprur” e “Continur” em representação de “A Mundial”, Administrador do BCI, Vice-Governador do Banco de Portugal, membro do Comité de Supervisão Bancária do Instituto Monetário Europeu, Secretário de Estado da Segurança Social, Deputado à Assembleia da República e Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, Director-Geral do BCP e Presidente da A.G. da União das Misericórdias Portuguesas, do C.F. do Banco Alimentar Contra a Fome e da Comissão Nacional Justiça e Paz (na dependência da Conferência Episcopal Portuguesa). É o actual Ministro da Segurança Social e Trabalho.

"Receberei qualquer criança, a qualquer hora da
noite ou do dia. Basta que me avisem e eu irei buscá-la
."
(Madre Teresa de Calcutá)


O debate sobre o aborto aí está, de novo. Um ano apenas decorrido sobre a rejeição parlamentar do projecto da sua despenalização, o reagendamento surge num contexto apressado, sem entretanto se ter suscitado na opinião pública qualquer tomada de consciência ou debate sério, profundo e alargado sobre o valor da vida e os direitos fundamentais da pessoa humana.

A ideia desta nova tentativa abortista é clara: modificar alguns aspectos do projecto anterior (para que substancialmente fique na mesma...) e utilizar o perverso e pouco democrático processo de substituição de deputados para vencer, não no “campo”, mas sim na “secretaria”.

Por isso, dificilmente se pode ficar comodamente indiferente perante mais esta tentativa requentada de fazer aprovar, no Parlamento, o alargamento da possibilidade legal do aborto, eufemisticamente designado interrupção voluntária da gravidez.

A Assembleia da República é soberana para fazer aprovar leis. Nunca o será, porém, para legitimar, no plano ético, moral e humano a violação do direito à vida, seja em que circunstância for.

Na base destes valores, não podem estar maiorias voláteis, mutáveis ou circunstanciais, aproveitadas no mero plano da táctica política, nem referendos emocionalizados e divisores da sociedade portuguesa.

O direito à vida da criança a nascer é sempre um valor a promover e a defender pelo Estado e pela Sociedade. Não depende da opinião pública ou da publicada, nem assenta em votações efémeras ou baseadas em critérios de oportunidade política. A discussão do aborto não pode ser encarada como se se tratasse de um qualquer diploma de natureza técnica, facilmente modificável ou politicamente manipulável por um qualquer jogo táctico.

Aqueles que defendem a legalização do aborto por certo jamais se atreveriam a defender a votação parlamentar ou o referendo popular sobre a pena de morte ou a eutanásia. A única explicação para uma sua atitude mais “liberal” perante o feto tem a ver com uma lógica utilitarista, estreita e cobarde face a “um ser que ainda não se vê ou que ainda não adquiriu em plenitude a forma humana habitual”.

Também não deixa de causar perplexidade que, ao mesmo tempo, que crescem as preocupações sobre a (correcta) acérrima defesa ecológica de espécies vegetais e animais e a (indiscutível) condenação de maus tratos infligidos a crianças neste mundo, se constate que, perante a defesa da vida do ser humano no ventre materno, a atitude de alguns seja, inexplicavelmente, bem mais ligeira.

Constitucionalmente, o direito à vida é inviolável.

É, hoje, um dado cientificamente adquirido que a vida humana começa com a concepção. Não se pode aceitar, de ânimo leve, a perspectiva dualista dos defensores da liberalização do aborto: de um lado, a sobrevalorização da liberdade da mãe, do outro, a desvalorização do direito à vida da criança a nascer, como se a escolha fosse da mesma ordem moral; ou de um lado, a aceitação de um período em que a lei é despenalizadora e, de outro, a sua criminalização ultrapassado aquele tempo.

Num dos anunciados projectos que vão ser agendados na Assembleia da Républica, chega-se, segundo os seus autores, e com o intuito de “alargar a sua base de apoio”(sic), a diminuir o período de despenalização de 12 para 10 semanas, concedendo-se “generosamente” ao feto mais duas semanas de protecção legal... Com que critério e fundamentos se disse, há um ano, que um abortamento às 11 semanas seria despenalizado e agora, se dirá que, com a anunciada redução do prazo legal, já voltaria a constituir um crime?

Parece evidente a precariedade e a fragilidade dos argumentos que “quantificam” um determinado período de tempo para a despenalização do aborto. Por ironia, os mesmos “argumentos” poderão vir a conduzir os defensores do aborto, mais tarde ou mais cedo, à aceitação da possibilidade de legalizar a sua prática até aos 9 meses...

Nesta questão só há uma alternativa: ou se defende a vida desde o primeiro momento ou se entra em processos arbitrários, quantitativos, materialistas, hedonistas e sem qualquer defesa técnica, médica, científica ou sociológica. O feto tem igual e total dignidade no primeiro ou no último dia. O feto não é menos corpo humano do que a criança recém-nascida ou o adulto, e, como tal, deveria ser sujeito de personalidade jurídica.

A própria evolução médica, ao nível do desenvolvimento dos diagnósticos pré-natais, não pode servir para matar, em nome da perfeição, do comodismo e do eugenismo. Pelo contrário, deve servir para minorar os problemas e melhorar a saúde dos nascituros. E não se confundam, como estando no mesmo plano, o direito à vida com o direito a uma melhor saúde...

A questão do aborto é sempre um assunto de muita complexidade e delicadeza. Também sou contra os raciocínios simplistas numa matéria em que há contornos ainda por esclarecer e situações dramáticas no quotidiano de muitas pessoas e famílias. Concordando-se ou discordando-se, o actual quadro geral contempla já uma série de possibilidades de aborto eugénico, terapêutico ou criminológico.

Todavia, nunca o abortamento pode ser encarado como uma forma de planeamento familiar. A ser assim, seria uma forma hedionda e inadmissível.

Permitir o aborto para preservar “a integridade moral, dignidade social e/ou maternidade consciente” da mulher (e citei as razões do projecto JS) é inverter as prioridades e colocar a defesa do direito à vida num plano secundário face aos motivos atrás apontados, por mais respeitáveis e dolorosos que possam ser para uma mulher ou para a sua família.

Como recentemente a Comissão Nacional Justiça e Paz escreveu “interromper a gravidez é impedir que uma pessoa viva. E impedir que viva é simplesmente matar”. Não é, pois, admissível transformar um crime num direito.

A consciência das pessoas não se “compra” com a trágica aparência da legalidade de um acto atentatório de uma vida. Aceitar a prática do aborto voluntário é contribuir para o enfraquecimento dos valores morais, familiares e comportamentais. É a vitória do egoísmo e da injustiça sobre o amor e a solidariedade.

Por tudo isto, despenalizar a prática do aborto seria um grande retrocesso na história do nosso País, pioneiro na abolição da pena de morte.

O aborto é um abominável crime praticado sobre o que de mais inocente se possa imaginar em absoluto. Como escreveu João Paulo II “o direito à vida é uma evidência moral e o primeiro critério de justiça social” (O Evangelho da Vida, 58.b).

Às posições dos predadores abortistas não é alheio o larvar, mas eficaz, surgimento de um ambiente de relativismo moral, de pequenez ética ou até de “micro-éticas”, que conduzem à desvalorização objectiva de direitos inalienáveis de dignidade da pessoa humana. Entre eles, está, em primeiro lugar, o direito à vida em todas as circunstâncias, que jamais pode ser visto como um qualquer valor de troca ou de uso.

Sou activamente católico. É costume desvalorizar-se a posição contra o aborto pelo facto de se ser cristão e acusar-se este de tentar conduzir o debate para um plano religioso.

Para os abortistas, é comum a ideia de, pelo facto de se ser católico, não se poder ter uma posição desapaixonada, racional ou mesmo religiosamente neutra. Embora, como cristão, considere que a Vida provém de Deus (Jesus disse “Eu vim para que tenham Vida e a tenham em abundância”, Jo, 10, 10), a questão do aborto é, desde logo, uma questão valorativa, moral e de justiça. Como escreveu João Paulo II “Em nome de qual justiça se realiza a mais injusta das discriminações entre as pessoas, declarando algumas dignas de ser defendidas, enquanto a outras esta dignidade é negada? Como é possível falar ainda de dignidade de toda a pessoa humana, quando se permite matar a mais débil e a mais inocente?” (O Evangelho da Vida, 20).

Em suma: Embora a luta contra o aborto seja, certamente, uma luta muito desigual, num ambiente “política, ideológica e mediaticamente correcto”, valerá sempre a pena, juntamente com muitos e muitos portugueses e organizações da sociedade, contribuir, ainda que modestamente, para ser advogado de defesa intransigente daqueles que, não tendo ainda voz, não se podem defender do egoísmo, da tirania e da injustiça.

(Janeiro de 1998)

Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.

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