2006/01/23
Memórias da minha Aldeia (5)
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O “engenheiro” de pontes, pelo menos da ponte da Senhora do Desterro, deitou as mãos à cabeça e perguntou aos trabalhadores quem os mandara para ali.
- O senhor Filipe, patrão…
- E onde mora?
- Ali ao cimo da ladeira, na Folgosa.
Não quis ouvir mais, para pôr o cavalo a galope a caminho da tal Folgosa.
Em menos de dez minutos soube quem era o “senhor Filipe” e onde morava, mas não estava em casa. Foi encontrá-lo na “quinta”, rodeado duma dúzia de mulheres que descamisavam as espigas do milho, enquanto ele lhes contava histórias da sua juventude de havia trinta e tal anos e de como havia enriquecido depois de tomar juízo. Elas riam a bom rir, até que ele parou porque já lhe parecia exorbitante, “muito riso, pouco siso”. Delas ou dele?... E ele ali a perder tempo com aquelas velhas e garotas, enquanto “a ponte” podia estar a ruir!
Levantou-se a correr, quando lhe apareceu o “engenheiro”, como se apresentou antes de explicar ao que vinha. Tão eloquentemente que logo seguiram ambos a caminho da “ponte”, sossegado o senhor Filipe da Folgosa por saber que a “ponte” ainda resistia, mas inquieto pelo que o “engenheiro” lhe explicou do risco que os arranjos que mandara fazer aos trabalhadores podiam causar ao que restava dela.
Depois de, no local, minuciosamente o “engenheiro” explicar como devia a reconstrução ser feita e com que extremos cuidados, na cabeça do senhor Filipe da Folgosa começou a germinar uma ideia: porque não contratar aquele homem que lhe parecia de momento sem ocupação, mas como quem verdadeiramente sabia do que tinha a fazer-se, para dirigir aqueles trabalhos, que a si iam pesando tanto. Sim, porque não?
O “engenheiro” aceitou, a luzirem-lhe os olhos, mas não deixando de pedir ao senhor Filipe da Folgosa que colhesse informação a seu respeito junto do presidente do Município de São Romão, que nesse tempo ainda existia e a cuja jurisdição pertencia a ponte sobre o Alva, na Senhora do Desterro.
Tudo correu pelo melhor e as obras, interrompidas, retomaram um novo curso que rapidamente as levaria a bom termo.
Mas, uma tarde, o “engenheiro” não apareceu nas obras da “ponte”, tinham as mesmas retomado o seu curso havia uns dois meses, talvez mais, que o tempo parecia agora mais lesto naquela terra.
O senhor Filipe da Folgosa foi procurá-lo na casa onde o instalara, em Santiago, enquanto as obras durassem, mas, não o encontrando, foi achá-lo a namorar-lhe a filha, a mãe da futura Ana Emília, que já conhecemos, dentro da sua própria casa!
Que descoco!
Uma raiva, como jamais lhe acontecera outra, disparou o senhor Filipe em direcção à “ponte” com uma ideia fixa na cabeça.
Com o mínimo de explicações necessárias, mesmo que um tanto atabalhoadas, os trabalhadores – uns vinte e tal, repito – dispuseram-se logo a seguir o amo, a caminho de Santiago, tão furiosos como ele, porque todos tinham filhas ou irmãs, e armados com o que apanharam mais à mão.
Estavam lá vinte minutos depois e os que os viram passar, mesmo sem nada perceberem na altura do seu destino, quase quarenta anos depois não tinham ainda esquecido a fúria ameaçadora, mas teimosamente calada, daquela gente atrás do amo.
Quando bateram à porta de casa do “engenheiro”, este apareceu no limiar transido de terror, convicto que ia acontecer-lhe o pior às mãos daquela gente subitamente convertida em furiosos e dementados, julgava ele, inimigos seus.
Mas nem teve tempo de se explicar.
Quando deu por si, achou-se vestido com o melhor fato que tinha em casa a caminho da residência do Pároco que ficava a duzentos metros da sua.
O Prior já os esperava, porque um enviado do senhor Filipe o fora entretanto prevenir de que tinha de seguir já com a horda para a igreja, porque “o senhor Filipe mandava”.
E toda a gente sabia naquelas redondezas que o senhor Filipe da Folgosa não era para brincadeiras nenhumas.
À porta da igreja esperava-os já a filha do senhor Filipe, com a mãe, três tias e cinco ou seis primas e primos.
Mal o Prior abriu as grandes portas de entrada, logo aquela gente encheu a igreja, enquanto na sacristia o Prior ouvia o senhor Filipe e a mulher explicarem-lhe o que era indispensável fazer-se, já. Para confirmar, o senhor Filipe foi à nave da igreja, ao lado da sacristia, buscar o “engenheiro” pela gola e trazer a filha para que ambos corroborassem a disposição de casarem já, por vontade própria, sem violência fosse de quem fosse.
O que, após rápidas confissões dos noivos, ali mesmo, esvaziada a sacristia, foi ainda mais rapidamente feito, com o testemunho favorável daquela gente toda que dali saiu para um jantar lauto, embora de última hora, improvisado em casa dos sogros do”engenheiro”, sob a presidência, jamais vista em boda casamenteira, do bom Prior.
A.C.R.
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O “engenheiro” de pontes, pelo menos da ponte da Senhora do Desterro, deitou as mãos à cabeça e perguntou aos trabalhadores quem os mandara para ali.
- O senhor Filipe, patrão…
- E onde mora?
- Ali ao cimo da ladeira, na Folgosa.
Não quis ouvir mais, para pôr o cavalo a galope a caminho da tal Folgosa.
Em menos de dez minutos soube quem era o “senhor Filipe” e onde morava, mas não estava em casa. Foi encontrá-lo na “quinta”, rodeado duma dúzia de mulheres que descamisavam as espigas do milho, enquanto ele lhes contava histórias da sua juventude de havia trinta e tal anos e de como havia enriquecido depois de tomar juízo. Elas riam a bom rir, até que ele parou porque já lhe parecia exorbitante, “muito riso, pouco siso”. Delas ou dele?... E ele ali a perder tempo com aquelas velhas e garotas, enquanto “a ponte” podia estar a ruir!
Levantou-se a correr, quando lhe apareceu o “engenheiro”, como se apresentou antes de explicar ao que vinha. Tão eloquentemente que logo seguiram ambos a caminho da “ponte”, sossegado o senhor Filipe da Folgosa por saber que a “ponte” ainda resistia, mas inquieto pelo que o “engenheiro” lhe explicou do risco que os arranjos que mandara fazer aos trabalhadores podiam causar ao que restava dela.
Depois de, no local, minuciosamente o “engenheiro” explicar como devia a reconstrução ser feita e com que extremos cuidados, na cabeça do senhor Filipe da Folgosa começou a germinar uma ideia: porque não contratar aquele homem que lhe parecia de momento sem ocupação, mas como quem verdadeiramente sabia do que tinha a fazer-se, para dirigir aqueles trabalhos, que a si iam pesando tanto. Sim, porque não?
O “engenheiro” aceitou, a luzirem-lhe os olhos, mas não deixando de pedir ao senhor Filipe da Folgosa que colhesse informação a seu respeito junto do presidente do Município de São Romão, que nesse tempo ainda existia e a cuja jurisdição pertencia a ponte sobre o Alva, na Senhora do Desterro.
Tudo correu pelo melhor e as obras, interrompidas, retomaram um novo curso que rapidamente as levaria a bom termo.
Mas, uma tarde, o “engenheiro” não apareceu nas obras da “ponte”, tinham as mesmas retomado o seu curso havia uns dois meses, talvez mais, que o tempo parecia agora mais lesto naquela terra.
O senhor Filipe da Folgosa foi procurá-lo na casa onde o instalara, em Santiago, enquanto as obras durassem, mas, não o encontrando, foi achá-lo a namorar-lhe a filha, a mãe da futura Ana Emília, que já conhecemos, dentro da sua própria casa!
Que descoco!
Uma raiva, como jamais lhe acontecera outra, disparou o senhor Filipe em direcção à “ponte” com uma ideia fixa na cabeça.
Com o mínimo de explicações necessárias, mesmo que um tanto atabalhoadas, os trabalhadores – uns vinte e tal, repito – dispuseram-se logo a seguir o amo, a caminho de Santiago, tão furiosos como ele, porque todos tinham filhas ou irmãs, e armados com o que apanharam mais à mão.
Estavam lá vinte minutos depois e os que os viram passar, mesmo sem nada perceberem na altura do seu destino, quase quarenta anos depois não tinham ainda esquecido a fúria ameaçadora, mas teimosamente calada, daquela gente atrás do amo.
Quando bateram à porta de casa do “engenheiro”, este apareceu no limiar transido de terror, convicto que ia acontecer-lhe o pior às mãos daquela gente subitamente convertida em furiosos e dementados, julgava ele, inimigos seus.
Mas nem teve tempo de se explicar.
Quando deu por si, achou-se vestido com o melhor fato que tinha em casa a caminho da residência do Pároco que ficava a duzentos metros da sua.
O Prior já os esperava, porque um enviado do senhor Filipe o fora entretanto prevenir de que tinha de seguir já com a horda para a igreja, porque “o senhor Filipe mandava”.
E toda a gente sabia naquelas redondezas que o senhor Filipe da Folgosa não era para brincadeiras nenhumas.
À porta da igreja esperava-os já a filha do senhor Filipe, com a mãe, três tias e cinco ou seis primas e primos.
Mal o Prior abriu as grandes portas de entrada, logo aquela gente encheu a igreja, enquanto na sacristia o Prior ouvia o senhor Filipe e a mulher explicarem-lhe o que era indispensável fazer-se, já. Para confirmar, o senhor Filipe foi à nave da igreja, ao lado da sacristia, buscar o “engenheiro” pela gola e trazer a filha para que ambos corroborassem a disposição de casarem já, por vontade própria, sem violência fosse de quem fosse.
O que, após rápidas confissões dos noivos, ali mesmo, esvaziada a sacristia, foi ainda mais rapidamente feito, com o testemunho favorável daquela gente toda que dali saiu para um jantar lauto, embora de última hora, improvisado em casa dos sogros do”engenheiro”, sob a presidência, jamais vista em boda casamenteira, do bom Prior.
A.C.R.
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