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2005/10/24

Recordo a minha aldeia … 

A minha aldeia, isto é, a aldeia de meus pais, que aí nasceram, e onde vivi alguns anos, não é uma aldeia qualquer, acho eu.

Orgulho-me ainda hoje de atravessá-la a pé, pelas calçadas em bons tempos renovadas e ainda agora em estado de novas, olhando os sítios e as casas uma a uma, a recordar gentes e acontecimentos a cada uma delas ligados, porque neles participei, algumas vezes, ou porque deles tive de qualquer forma conhecimento directo ou indirecto.

Mas sei da minha aldeia muito mais que qualquer outro natural seu, porque muito mais tenho procurado saber, imaginar ou reviver o presente e passado dela.

Situada já no chamado planalto beirão, mas apenas a três ou quatro quilómetros de Seia, cidade, essa já em plena encosta noroeste da Serra da Estrela, a encosta voltada ao Oceano, a minha aldeia é pequena, alguns sessenta fogos apenas, talvez menos fogos mas seguramente de melhor qualidade construtiva e muito melhor equipamento do que quando a conheci, levado por meus pais, há uns setenta e dois anos, tinha apenas quatro.

Mas foi cinco anos depois que passei a conhecê-la melhor, quando lá voltei com meus pais e meus irmãos, vindos de África, para aí nos fixarmos demoradamente, estava a um ano do fim a guerra Civil de Espanha (1936-39) e ia começar a Guerra Mundial de 1939 – 45.

Que sentido divinatório surpreendente dos acontecimentos mundiais tiveram os nossos pais ao escolherem aquela ocasião para nos fixarmos no remanso da aldeia!

Tenho a certeza de que foi por essa altura que definitivamente se consolidou a curiosidade apaixonada, que nunca mais me abandonaria, por tudo quanto fosse política internacional.

Tinha essa curiosidade começado a alimentar-se uns dois anos antes, ainda no Congo, a ouvir os crescidos da geração dos meus pais quando discutiam o evoluir da guerra de Espanha, a invasão da Áustria por Hitler, a fúria mundialista da URSS, as ameaças duma guerra mundial que acabaria por rebentar com a invasão da Polónia pelos Alemães, a pretexto do corredor de Dantzig.

E eu a falar com eles de tudo isto, porque gostavam de ouvir-me, surpreendidos com as minhas informações colhidas da leitura do jornal “O Século”, que nos chegava aos molhos a casa, no Baixo Congo, de quinze em quinze dias, pelos barcos da carreira que quinzenalmente paravam nos portos de Matadi ou de Ponta Negra.

Recordo que lia “O Século” dos adultos tão interessado algumas vezes como lia o “Pim-Pam-Pum”, o suplemento infantil semanal dele.

Vem tudo isto a propósito de a minha aldeia não ser uma aldeia qualquer.

E não é, como verificarão, se me deixarem continuar.

António da Cruz Rodrigues (A.C.R.)

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