2005/10/31
Recordo a minha aldeia … (2)
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Aqui há uns quatro anos tive um encontro, que hoje classificaria de mágico ou predestinado, com um homem não muito mais novo, que dias antes telefonara porque queria conhecer-nos, a mim e a minha mulher, não percebi logo bem a que pretexto.
Devido a calendários um pouco desencontrados, o frente-a-frente só pôde efectivar-se dias depois, mas, como se precisássemos de recuperar o atraso, passámos a tarde inteira a falar, depois do almoço no Senhora da Lomba, em Pinhanços, nomes de que ele julgava lembrar-se, embora vagamente, por tê-los ouvido a um avô ou tio brasileiro.
Dali seguimos, ele, a minha mulher e eu, até à nossa casa em Várzea, para onde nos havíamos mudado da casa que fora de meus pais, na minha aldeia, ali perto, menos de dois anos antes.
O cavalheiro nosso visitante tinha instalado residência no Sátão, ligeiramente a norte de Viseu, mas a sua vida era no Brasil, onde tinha importante indústria de que estava a tratar de desfazer-se muito brevemente, a favor de quatro filhos, para vir residir em Portugal com os netos, o que era, garantiu ele, o seu grande projecto e ambição de anos.
No Brasil os negócios ficariam entregues aos filhos todos. Mas as responsabilidades de comandar e fazê-los progredir seriam da filha, a mais velha dos quatro e sua principal colaboradora desde havia dez anos, em quem confiava cegamente, porque dava todos os dias provas de ser uma mulher de armas e grande visão, capaz também de manter na linha os irmãos, três rapazes, que ela verdadeiramente criara, depois que a mulher, mãe de todos, lhes faltara, muito nova.
E acabámos por perceber o que o cavalheiro queria, que à primeira não parecia muito mas dava prova de certa confiança e grandes expectativas.
Ele estava convencido de que a minha aldeia era também a aldeia dele e dos seus antepassados europeus, por informações antigas de seus pais, há muito falecidos no Brasil. Julgava até ter descoberto, na “nossa” aldeia, uma casa em ruínas que teria sido o solar da sua família.
Andava já em negociações para comprá-la com o objectivo de a recuperar, restituindo-a tanto quanto possível ao que no seu apogeu deveria ter sido, sem deixar de introduzir nela as comodidades actuais e as mais vanguardistas.
“É tarefa de grande responsabilidade … Tem de se aconselhar com quem saiba” – observei, depois de ficar a saber qual era a casa, que facilmente identifiquei, pois que solares arruinados, na “nossa” aldeia, havia apenas dois e, ainda que ambos igualmente em ruínas, também eram ambos inconfundíveis, pela topografia diversa dos seus sítios.
“Desejaria contar consigo – respondeu ele –. E não só quanto às paredes, mas sobretudo quanto à gente que lá viveu. Pois que me dizem que o senhor é pessoa entendida em coisas e gente de antigamente.”
Dei uma gargalhada, para disfarçar o meu embaraço, que ele não levou a sério, tomando-a antes como aceitação da proposta.
O facto é que o solar, recuperado – dizia-se – com pleno acerto, graças aos conselheiros que directa ou indirectamente lhe indiquei e graças ao dinheiro que gastou sem poupar, mas com todo o rigor, lá está, modelar e triunfalmente restaurado, à rica mas sem despropósito de ostentação deslocada.
Descobrir a história das gentes que o habitaram e habitaram a aldeia, reconstruir-lhes os percursos e as naturezas, é que foi mais demorado e de incerto sucesso.
Mas aqui irá ficando o que pude e puder apurar.
A.C.R.
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Aqui há uns quatro anos tive um encontro, que hoje classificaria de mágico ou predestinado, com um homem não muito mais novo, que dias antes telefonara porque queria conhecer-nos, a mim e a minha mulher, não percebi logo bem a que pretexto.
Devido a calendários um pouco desencontrados, o frente-a-frente só pôde efectivar-se dias depois, mas, como se precisássemos de recuperar o atraso, passámos a tarde inteira a falar, depois do almoço no Senhora da Lomba, em Pinhanços, nomes de que ele julgava lembrar-se, embora vagamente, por tê-los ouvido a um avô ou tio brasileiro.
Dali seguimos, ele, a minha mulher e eu, até à nossa casa em Várzea, para onde nos havíamos mudado da casa que fora de meus pais, na minha aldeia, ali perto, menos de dois anos antes.
O cavalheiro nosso visitante tinha instalado residência no Sátão, ligeiramente a norte de Viseu, mas a sua vida era no Brasil, onde tinha importante indústria de que estava a tratar de desfazer-se muito brevemente, a favor de quatro filhos, para vir residir em Portugal com os netos, o que era, garantiu ele, o seu grande projecto e ambição de anos.
No Brasil os negócios ficariam entregues aos filhos todos. Mas as responsabilidades de comandar e fazê-los progredir seriam da filha, a mais velha dos quatro e sua principal colaboradora desde havia dez anos, em quem confiava cegamente, porque dava todos os dias provas de ser uma mulher de armas e grande visão, capaz também de manter na linha os irmãos, três rapazes, que ela verdadeiramente criara, depois que a mulher, mãe de todos, lhes faltara, muito nova.
E acabámos por perceber o que o cavalheiro queria, que à primeira não parecia muito mas dava prova de certa confiança e grandes expectativas.
Ele estava convencido de que a minha aldeia era também a aldeia dele e dos seus antepassados europeus, por informações antigas de seus pais, há muito falecidos no Brasil. Julgava até ter descoberto, na “nossa” aldeia, uma casa em ruínas que teria sido o solar da sua família.
Andava já em negociações para comprá-la com o objectivo de a recuperar, restituindo-a tanto quanto possível ao que no seu apogeu deveria ter sido, sem deixar de introduzir nela as comodidades actuais e as mais vanguardistas.
“É tarefa de grande responsabilidade … Tem de se aconselhar com quem saiba” – observei, depois de ficar a saber qual era a casa, que facilmente identifiquei, pois que solares arruinados, na “nossa” aldeia, havia apenas dois e, ainda que ambos igualmente em ruínas, também eram ambos inconfundíveis, pela topografia diversa dos seus sítios.
“Desejaria contar consigo – respondeu ele –. E não só quanto às paredes, mas sobretudo quanto à gente que lá viveu. Pois que me dizem que o senhor é pessoa entendida em coisas e gente de antigamente.”
Dei uma gargalhada, para disfarçar o meu embaraço, que ele não levou a sério, tomando-a antes como aceitação da proposta.
O facto é que o solar, recuperado – dizia-se – com pleno acerto, graças aos conselheiros que directa ou indirectamente lhe indiquei e graças ao dinheiro que gastou sem poupar, mas com todo o rigor, lá está, modelar e triunfalmente restaurado, à rica mas sem despropósito de ostentação deslocada.
Descobrir a história das gentes que o habitaram e habitaram a aldeia, reconstruir-lhes os percursos e as naturezas, é que foi mais demorado e de incerto sucesso.
Mas aqui irá ficando o que pude e puder apurar.
A.C.R.
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Etiquetas: Conta-me como foi..., Memórias das minhas Aldeias