2005/09/12
As Bodas de Prata do Sindicato Solidariedade,
criado nos estaleiros navais de Gdansk na Polónia, em 1980.
Os leitores sabem que não sou um viciado de comemorações, um comemorativista sempre pronto a valer-se de qualquer aniversário para assestar raivas ou ditirambos.
Mas os 25 anos do primeiro grande sucesso do Solidariedade, isto é, a sua legalização como sindicato pelo regime comunista de Varsóvia, não podem deixar de ser recordados aqui.
Em 31 de Julho de 1980…
Bem, as comemorações de facto realmente importantes têm pelo menos este proveito: é que proporcionam a ocasião de reavivar a memoria e de repensar o acontecido numa perspectiva mais segura e mais esclarecedora.
Neste caso até será particularmente fácil, porque estamos a falar de algo que desencadeou a série inteira de sucessos que conduziriam às mais espectaculares e radicais mudanças políticas de toda a segunda metade do séc. XX, para não irmos ainda mais atrás.
Assim, Gdansk entra na História do séc. XX em cheio, pela segunda vez: em 1980, porque o essencial do que agora foi comemorado se desenrolou nos estaleiros navais de Gdansk; e, em 1939, porque as divergências entre a Alemanha e a Polónia sobre o enclave de Dantzig — como Gdansk era então conhecida internacionalmente — tinham levado à invasão da Polónia pelo III Reich alemão e, portanto, ao eclodir da Guerra Mundial de 1939-45.
A grande vitória do Solidariedade em 31 de Agosto de 1980 teve por fundo também a eleição do cardeal polaco Karol Wojtyla como Papa João Paulo II, em Outubro de 1978, e a sua primeira visita à Polónia nessa qualidade, no ano seguinte, a qual mobilizou para a rua milhões de Polacos cada vez mais determinados a derrotar o regime comunista, imposto pela URSS.
Tinha nascido uma nova Polónia.
E se tudo acabaria por consumar-se como a Polónia desejava, não foi porém tão prontamente como chegou a parecer que seria.
Ao reconhecimento legal do Solidariedade e à aceitação pelo governo do princípio da liberdade sindical, sucederam-se novas greves, dirigidas em todo o País por novos sindicatos livres; múltiplas manifestações populares contra os aumentos dos preços de géneros e serviços de 1ª necessidade, fixados pelo governo; grandes manifestações de massas reivindicando direitos políticos que eram recusados; etc.
Era, enfim, toda a Polónia em ebulição.
Basta dizer que, nos primeiros meses a seguir ao seu reconhecimento oficial, o Solidariedade cresceu até dez milhões de associados.
Tornara-se uma força ainda mais irresistível.
O poder sentia-se a perder completamente a mão sobre os acontecimentos e não achou, por fim, outra saída senão pela medida extrema dum pretenso golpe militar que levou o general Jaruzelsky ao poder e proclamou a lei marcial.
A Polónia ficou outra vez amordaçada pela suspensão dos direitos cívicos e políticos que isso representava.
Com Jaruzelsky* a chefiar o governo, sob o patrocínio do comité central do Partido Comunista polaco, e com a lei marcial em vigor, o regime marxista-leninista-estalinista da Polónia consegue aguentar-se ainda até 1988. Mas sempre por entre as sucessivas crises provocadas pela resistência popular e sindical polaca, também cada vez mais animada pela crescente resistência nos Países vizinhos, Hungria sobretudo.
Não admira assim que, logo em 1989, o regime comunista polaco acabe por ver-se obrigado a renunciar ao poder, no meio de imensas manifestações populares.
Eleições livre são organizadas, dando origem ao regime actual.
No seguimento disso, em dois anos apenas, até 1991, todos os regimes da Cortina de ferro, incluindo a URSS, acabaram por cair, uns na esteira dos outros, num movimento surpreendente de que ficam para a História, como as suas mais representativas e influentes figuras, o Papa João Paulo II, Lech Walesa e Ronald Reagan, eleito Presidente dos EUA em 1981.
Seia, 31/08/2005.
A.C.R.
* Agindo, na verdade, como braço armado do PC polaco e da URSS, que, desta vez, por prudência ou por incapacidade, não quis mandar as suas próprias forças armadas a meter na ordem os Polacos.
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