2004/03/22
Mário Soares vai dando com os burrinhos na água... Coerentemente.
“Não vá o sapateiro além da chinela”, diz o provérbio português bem conhecido, significando que não suba ninguém acima do nível das suas competências, para exercer cargos além das suas qualidades e qualificações. Mas é uma tentação parece que irresistível, a avaliar pela teoria do “princípio de Peter”. O nosso Zapatero, próximo P. M. de Espanha, parece ser desses que não resistem. Os seus começos, na avaliação de grande parte dos comentadores, parecem dos piores, desde que ganhou as eleições de 13, como boa parte das atitudes já assumidas e das palavras já pronunciadas assinalam.
Mas Mário Soares não pensa assim, isto é, concorda com o derrotismo de Zapatero.
Defendeu ele, de facto a abertura de “canais de diálogo” com a rede terrorista Al-Qaeda, numa conferência sobre Direitos Humanos na Fundação que tem o seu nome.
Foi na semana passada.
Pretende ele que o diálogo com a Al-Qaeda permitirá combater o terrorismo, sem necessidade do recurso à força, e em única alternativa ao uso desta.
Quer dizer, Mário Soares não duvida do sucesso do diálogo, mesmo antes de este começar ou ser tentado sequer.
Parece-me bem que, para chegar ao diálogo com a Al-Qaeda, Mário Soares não teria outra alternativa senão ... usar a força, pois que não consta nem nada faz crer que a Al-Qaeda esteja disposta a dialogar sem ser... obrigada pela força.
O menos que os camaradas de M. S. no PS dizem das declarações do “senador” Soares, é que lhes causam “perplexidade”.
Mas outros socialistas afirmam sem subterfúgios a sua “oposição” às propostas do “senador”, casos de Francisco de Assis, Vicente Jorge Silva ou Augusto Santos Silva, por exemplo, todos aliás deputados.
Num artigo ao lado do deste antigo ministro da Educação de Guterres, também a jornalista Helena Matos goza com fartura a proposta genial de Mário Soares, designado-o ironicamente como transmissor ideal, junto da Al-Qaeda, da nossa mensagem de rendição desde já incondicional ao inimigo supremo.
No dia seguinte, no mesmo Público, António Barreto considera desolador que M.S., à sua obra política, cuja marca considera “indelével na história de Portugal”, tenha decidido agora acrescentar “este perigoso e desmoralizador contributo”: “É preciso negociar com os terroristas”!
Por seu lado, José António Lima, no “Expresso” de Sábado último, recorda que M.S. “sempre usou e abusou do tacticismo para marcar a agenda e atingir objectivos políticos momentâneos”, e conclui:
“Agora, nesta cegueira tacticista, nem isso preservou. E arrisca-se a passar à história como O Capitulacionista”.
Também Adriano Moreira, numa entrevista à Rádio Renascença e ao Público, respondendo indirectamente a M. S., não hesita em dizer:
“Na dia em que for aceite que e negociação é o método de lidar com esta agressão, está reconhecida a (sua) legitimidade política. Acho que isso seria extremamente grave.”
No Conselho Nacional do PP, de sábado, em Santarém, Paulo Portas tem ainda menos papas na língua, chamando a isso, que A.M., considera extremamente grave, pura e simplesmente uma rendição. Incondicional, acrescentaria eu. E lembra:
“O mesmo princípio de diálogo com o terrorismo na Segunda (grande) Guerra teria levado à vitória do nazismo”.
E Cavaco Silva, em entrevista à Antena 1, referindo-se também à infeliz sugestão de M. Soares, argumentou ser “muito difícil que o mundo democrático aceite dialogar com as organizações terroristas”.
Por agora a unanimidade do bom senso parece garantida e, no fundo, no fundo, muitas destas e outras pessoas dificilmente poderão voltar ao seu equilibrismo de reticências sobre a oportunidade e necessidade ou moralidade da guerra no Iraque.
A mania de surpreender do “senador” desta vez não resultou.
A.C.R.