2004/03/16
A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) e os “atentados” de MADRID
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Do que li nos jornais, o resto parece-me muito semelhante às considerações “piedosas” dalguma confederação sindical ou pura demagogia para efeitos políticos, em pré-campanha eleitoral.
Mas as passagens citadas valem a pena de algumas reflexões.
Salvo erro de transcrição dos jornais, penso que há contradição em escrever-se que os atentados são “sem nenhuma justificação”, para logo dizer-se que eles são, entre outros factores, afloramentos de “tensões que dividem o mundo” e “actos desesperados para contrariar a apropriação indevida de recursos” (“por parte dos que detêm o poder”).
Esta 2ª parte parece estar a querer dizer que, afinal, os atentados são justificados e que o terrorismo, portanto, se justifica também e é mesmo — talvez? — desculpável.
Por outro lado:
As tensões que dividem o mundo quais serão?
As tensões e ambições geo-estratégicas que todos mais ou menos sabemos como sempre levaram as nações e os estados às guerras?
Ou, dentro das nações e dos estados, mas também a nível mundial, as tensões referidas pela CNJP são essa luta de classes fomentada e glorificada pelo marxismo, desde que conduzisse ou conduza à vitória e ditadura do proletariado?
Tudo parece subjacente na interpretação da católica CNJP.
Desde a luta de classes, compreendida, aceite e justificada, à pouco subtil classificação da propriedade como “um roubo”, ainda que aqui literalmente limitado ao caso da “apropriação indevida de recursos pelos que detêm o poder”.
Mas — gato escondido com rabo de fora — não quererá a limitação apenas insinuar ou levar a pensar que todos quantos detêm propriedade e poder são ilegítimos, pois que só pelo uso do poder (que poder?) chegaram a deter a propriedade e não pelos méritos dos serviços prestados à sociedade?
As ambiguidades e insinuações, em apenas meia dúzia de linhas, são mais que muitas para que não tenha de dizer-se que é um texto mais desorientador que cristão.
Mas pior que tudo penso que é a também subjacente e sempre insistentemente repetida ideia de que o terrorismo é o simples fruto da desigual e iníqua distribuição dos recursos.
Aflora-se, na passagem que estou a comentar, a questão do poder, mas esquece-se que ela não se põe dum lado só. A ambição de poder, por parte de quem o não tem ou quer ter mais, alimenta o terrorismo tanto ou mais que a pobreza ou a desigual distribuição dos recursos.
Os terroristas não estão necessariamente ao serviço dos pobres e deserdados. Servem-se, sim, deles também — talvez sobretudo deles — para satisfazer as suas próprias ambições e necessidades de poder. Sabe-se isso desde sempre, mas tende-se a esquecê-lo.
Se só combatêssemos a pobreza e ganhássemos essa “guerra”, nem por isso teríamos vencido o terrorismo, muito longe disso.
Os terroristas lutam por mais poder e vivem de explorar a pobreza dos outros. Mas, na verdade, as suas “tropas” não são recrutadas necessariamente entre os mais pobres, antes entre gente doutrinada ou doutrinável para os seus objectivos de poder, seja o poder de Alá, seja o poder dos supostos servidores de Alá.
Diria que a guerra pelo poder está mais generalizada e é socialmente mais estrutural e estruturante que a guerra pelo pão.
Sendo isto certo, o que o terrorismo mais teme é que se use contra ele as armas da violência que ele usa contra nós todos.
A.C.R.