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2004/03/05

A guerra mundial em curso. (Pacheco Pereira e Fernando Gil é que no-lo recordam.) 

Sob aquele título, José Pacheco Pereira escreveu ontem no “Público” um artigo em que fala das divergências entre governos dos EUA e da Europa. Cito, saltando parágrafos, para abreviar:

“(...) imediatamente depois do 11 de Setembro(...). Os dirigentes americanos disseram, “estamos em guerra” e os europeus evitaram cuidadosamente a utilização dessa palavra.

A diferença, veio a ver-se, era tudo menos semântica. Era uma diferença política, talvez a mais importante entre a democracia americana e as democracias europeias. A convicção de que o país estava em guerra decidiu toda a política americana desde o 11 de Setembro: o Afeganistão e o Iraque, as “medidas de segurança interna” nos EUA, as prisões de Guantanamo e o estatuto dos seus prisioneiros, as profundas reservas americanas à legislação belga sobre criminosos de guerra; a extensa agenda das divergências que vai das grandes instituições internacionais como a ONU e a NATO aos diferentes critérios de segurança relativos à aviação civil, ao tráfego internacional de mercadorias, aos dados a fornecer (ou não) sobre os passageiros, etc., etc. Em todas estas diferenças está presente a percepção americana de que o país está em guerra, a “guerra contra o terrorismo”, e da parte da UE a de que existe apenas um problema de segurança mundial, associado aos actos terroristas. (...) Nada mais.”

“(...) A esta afirmação (dos europeus) da estabilidade a todo o custo acrescenta-se uma análise que implica uma culpa objectiva dos americanos no surto terrorista, pelo seu apoio ao Estado de Israel, ou pela sua supremacia económica e militar. Para estes europeus, a chave da derrota do terrorismo seria a mudança da política externa americana, ou, mais radicalmente, a passagem dos EUA para uma potência de segunda ordem no plano militar internacional, isolada e isolacionista.”

“(...) Não é preciso ir mais longe do que os recentes atentados no Iraque e no Paquistão para perceber o erro essencial desta análise: não é por si a política americana que é o adversário, nem o conflito israelo-palestiniano mas o confronto global entre um Islão fundamentalista e tudo o que limite a sua influência e poder. A própria existência de um mundo alheio ao islão fundamentalista é razão para a guerra.”

“(...) O combate terrorista alastrar-se-á para o centro do Mundo — Meca, Medina e Jerusalém — por um lado; e por outro lado para as fronteiras do islão; Índia, Cáucaso, Tchetchênia, Indonésia, Magrebe. O ataque aos americanos, no centro do seu poder Washington-Nova Iorque, é apenas uma parte deste ataque global. Para ter sucesso, o terrorismo não precisa de muita gente, precisa de direcção e recrutas, precisa de dinheiro e de meios. O resto ele sabe muito bem o que fazer: penetrar em todas as fracturas e fazer-se explodir.

Por tudo isto, convém que a perplexidade e a confusão causadas pela ausência de armas de destruição maciça, pelas enormes dificuldades da coligação no Iraque, e, também e sobretudo, pelos erros cometidos pelos EUA e seus parceiros, não afectem a clareza da percepção do problema e não conduzam a uma apatia resignada. Se, por acaso, os terroristas fundamentalistas ganham esta guerra, o século XXI será uma sucessão impiedosa de mortes.”

“(...) Estamos em guerra, mas apenas no início da guerra.”

Fim de citação.

Lição a tirar. Mesmo os melhores comentadores precisam de novos estímulos para voltarem a pensar com perfeita clareza, sem brechas...

O bombardeamento das Torres de Nova York já foi há muito tempo (dois anos e meio, quase!), pelo que foram precisos agora os atentados de Bagdade e Karbala, onde num só dia morreram talvez mais de 400 xiitas ao todo, para reabrir-lhes os olhos.

O novo abalo de morte parece ter reposto muitas certezas que começavam a andar esquecidas.

A.C.R.

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