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2003/12/04

Leva de ABRIL (II) 

Do livro "Leva de ABRIL"
De Gil Roseira Cardoso Dias
Editora Nova Arrancada

HOJE

Pedra caída no poço
ave que morre voando
ferro em brasa no pescoço
nu afogado boiando;
o desespero que esboço
quando não há espreitando
aqueles de quem eu posso
escondê-lo disfarçando;
aquele nó o caroço
na garganta sufocando
a lentidão do esforço
com que minto divagando;
e na fundura que roço
garras há dilacerando
sem porquê nem como ou quando
o Passado que foi nosso.


TROVAS

De verde e rubro vestido
País de luto em Abril,
Humilhado e vendido
Por vaidade e um ceitil.

Secaram de Maio os cravos
Quem berra mais alto ganha.
A propaganda arrebanha:
Povo livre – homens escravos.

Povo sido varonil
Tão rendido, tão cansado,
Tão mansamente curvado
Povo de luto em Abril.

Mais tempos inda hão-de vir
De tristeza e indigência.
Povo criado inocência
E falhado no porvir.

Nem futuro, nem mais nada,
Podes agora esperar,
Senão o ver apagar
A tua História passada.

Acabou! Agora esquece.
Não vale a pena lutar.
Cada povo que falhar
Tem a sorte que merece.


DESABAFO

Ó poetas da democracia
E do amor
Pelos mortos de Timor...

Ó letristas-cantadores
Dos “meninos à volta da fogueira”
Com a AK companheira...

Ó carpideiras das baleias
Das focas e das marmotas...

Ó dos direitos do autor
E do homem e da mulher...

Ó antitouros de morte
De trancos e de Barrancos...

Ó dos direitos dos animais
E mais
Os outros todos que tais...

Que brutal
Mordaça ideológica vos nega
Que choreis
Que digais
Que canteis
Que vivais
Os nossos mortos?!


NA VIA DO SOCIALISMO

Meu País de sonho apetecido
retrato descolorido
em revista semanal desactualizada.

País hipótese falhada
desfile permanente em marcha engalanada
a caminho do jazigo de família.

A louça e os partidos já não têm conserto.
Já não há compõe-louças para pôr gatos de arame
a louça não se reaproveita
e a lança no lixo.
Um partido não serve para comer
e mesmo que servisse -
- que há para sonhar no meu País ?

Meu País de cravos em Abril
ornando praças onde os mortos passam
disfarçando em canos de espingarda
a fuga dos seus donos.
Para quê lutar, se whisky é melhor
e de origem garantidamente democrática ?
Para quê ir para o mato, se os apartamentos
de Paço de Arcos são mais confortáveis ?!...

Meu País da logorreia institucional
da fome como padrão
da sobrevivência como ambição
e no fim
tam-ba-la-lão... tam-ba-la-lão...
um palmo só de chão
que nem espaço há para enterrar os mortos
e a terra é de quem na trabalha.

Meu País de fingimento da abundância
alçado a forma de governo
e a pedincha de capital em capital.

O primeiro ministro tem de frequentar um curso
(acelerado!)
de vendedor de banha de cobra
e dizer ao FMI que sim e mais também
que aceitamos os dólares
e a Bruxelas que aceitamos os ecus
mais as condições que quiserem impor
que Salazar era uma besta e já morreu
e a fome é imperativa.

Então
morra o povo
para que viva o governo do povo.


SONETO - V

Quando cair, que seja lentamente,
Como o Infante herói de Alfarrobeira.
Não preciso sequer de uma bandeira,
Basta a vossa lembrança tão somente.

Aqui ou onde seja (é indiferente,
Agora toda a terra é estrangeira)
Que finde a minha vida passageira,
Meu pensamento é da minha gente:

Aquela que morreu de armas na mão.
Aquela, regressada ao pátrio chão,
Cuspida pela elite da escumalha.

Os hoje abandonados à má-sorte.
Os que ganharam a paz fria da morte,
Perdendo tudo numa só batalha.


TESTAMENTO

Ninguém me diga nada, que não ouço
e niguém mo repita, se não grito;
e ninguém me murmure, que não ligo
e que ninguém me toque, que o rejeito.

Não falem de Nação – então me excedo
e não me digam Pátria, que me exalto.
E não me digam sim, que desconfio,
e nem me digam não, que corro já.

Não me cantem o fado, que me espanto
e, por favor, nem samba, nem canção.
Não cantem mais mandós, que atropelo
as memórias do Longe e da Idade.

De África não falem – ainda dói.

Mas que ninguém se cale. É bem melhor
esboçar a Idade e a Distância.

Estou cansado e enfêrmo de Saudade,
mal me recorda a mocidade longe...
Das coisas que ainda são, já me aborreço,
das memórias me dispo e distancio.

Não me importa saber do que me esqueço,
do pouco que recordo me alumio.
Nem lembranças serão… É a Esperança
que me receba Deus na Eternidade.




GIL ROSEIRA CARDOSO DIAS

Como dizer quem é Gil Roseira Cardoso Dias? E que dizer deste seu primeiro livro?
Dêle, se tivesse de o definir n’uma palavra, diria: íntegro.
Se em três: íntegro, fiel, intransigente.
Quanto ao trato: educado, mas imprevisível. Cardoso de nome, mas também Roseira. Com espinhos também, mas com rosas.
O livro, de tão curto, lembra-me o “Fel”, de José Duro, e a “Mensagem”, de Pessoa. Não pela dimensão, mas porque de fel transborda cada memória da rendição de Abril, e de mensagem resplandecem cada verso, cada grito ou estertor, cada lamento …
No fundo, este livro é uma Oração, quer pelos caídos - nossa honra - quer pelos vindouros, se daqueles lhes soubermos preservar a memória, e do nosso tempo a VERDADE.
Ah! Se não fosse VERDADE o nosso tempo, poderia este livro ter sido escrito? Não, certamente.
Como testemunho vale, pois, inelutável.
Graças a Deus.

Nas “Pequenezas autobiográficas” e no sequente “Aviso ao Leitor”, mais do que o seu trajecto na vida dá-nos o Autor, em breves traços, o seu perfil perante a vida, e perante os outros.
Não há nessas linhas uma palavra impensada, uma palavra a mais ou só de estilo. De menos talvez, que muito cala, da sua vida e da dos outros com quem se cruzou.
Irredutível nas suas convicções, tece meditadas reservas à fidelidade do último Concílio, assim como – a tempo - as tecia já ao Portugal de Spínola e Marcelo, nunca aceitando, inconformado, o portugal dos abrilistas.
Ele é assim. Quem não o entender tal como é, siga o seu caminho e deixe-o. Não lhe queira impor ideias ou modelar sentimentos que, como Régio, não vai por aí…

Dos poemas – de nítida influência pessoana - pouco há a dizer. Falam por si.
Com uma musicalidade natural e notáveis força e riqueza de imagens, sem liberdades poéticas fáceis mas com toda a liberdade que o ritmo ou a sonoridade lhe requeiram, desde que o não afastem da ideia ou da emoção-raíz de cada poema, que nunca se trai a si próprio, nem cede.
Bem haja por isso, que uma coisa é ser Poeta, outra versejar...
Hinos de Crença e Lusitanidade quase todos, gritos de revolta outros, já lamentosos, já sarcásticos, qual de nós, ao lê-los, não se sente pré-plageado? Quem não sente – neste ou n’aquele poema, neste ou n’aquele verso - que aquilo é o que lhe vai n’alma, o que gostaria de ter dito?
Gil Roseira Cardoso Dias é mais uma voz que se ergue - a par de Couto Viana e Rodrigo Emílio - a cantar a nossa dor e revolta, e a dar testemunho, para que a VERDADE na Memória se não perca, da infame traição que de Nação Imperial nos converte, complacente e acomodada, em caudatária e servil sub-região europeia, sem voz nem alma…
Na época economicista que se atravessa - e nos é imposta, que nem viver orgulhosamente sós o destino pátrio nos consentem as massas dominantes - importa dar testemunho da VERDADE, da nossa VERDADE, portuguesa e humanista, do Minho ao Além, para que os nossos filhos nos entendam ou pelo menos nos aceitem, e para que os seus filhos, ou os filhos dos seus filhos, possam um dia re-despertar Portugal.
É preciso dar testemunho de Portugal português, antes que as globalizações – novos impérios – nos dissolvam no Nada, nos matem como Nação.
É preciso gritar! É preciso marcar Abril como sinal de traição e vergonha. É preciso não colaborar, pelo silêncio, com os vendidos.
É preciso clamar por D. Sebastião – quer venha ou não – para que a Pátria, essa, não pereça. É preciso gritar, para que o nosso clamor chegue a Deus.
O grito, moribundo, de Camões não deixou que a Pátria morresse em 1580. É preciso que os Poetas - os nossos Guerreiros – não a deixem morrer ainda, e sedimentem a nova Restauração, quando fôr a HORA.

Manuel Arnao Metello



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