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2003/10/14

NACIONALISMO ONTEM E HOJE (II) 

Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001

(continuação do post de 2003/10/13)

Prof. Dr. António José de Brito

Mas passemos para o plano do que foi outrora Portugal e hoje, por inércia, se continua a designar dessa forma, e voltemo-nos para o nacionalismo português. Eu considero que 73 e 74 foram realmente os anos do fim na fórmula extremamente feliz de um autor — Nogueira Pinto — que, depois, a repudiou e, pelos vistos, acha que este reles rectângulo multitudinário, reles partícula da Europa dos mercadores e bufarinheiros, tem algo de essencialmente semelhante com a pátria do "morrer sim mas devagar" e "por cada pedra desta fortaleza eu daria um filho."

Eu sou um emigrado do interior, que espera a morte neste território porque ser emigrado do exterior não importa a pena, pois desde 1945 está presente por toda a parte o mesmo esterco.

Nesta altura perguntar-me-ão porque estou com divagações sobre o nacionalismo dito português se já não há Portugal? Não é uma situação paradoxal?

Não, pelos motivos que adiantarei. Primeiro: O nacionalismo assenta em princípios. A forma como foram aplicados no nosso ex-país pode servir para mostrar erros e falhas que deverão ser evitados se se travar de novo o combate contra os malefícios do nosso tempo, embora sob nova moldura. Depois, saber não ocupa lugar e não é mau, perante a série de disparates intoxicadores hoje em voga, levantar o véu da verdade quanto ao passado outrora nosso. Finalmente porque a história das ideias é sempre útil para quem pretenda pensar a sua linha de conduta política. Dirão que o que vamos fazer não é história mas arqueologia? Talvez, mas é arqueologia muito superior à dos rapazinhos que afirmam que o actual rectângulo "lusitano" já estava delineado desde há quatro mil anos.

De resto será paradoxal por exemplo estudar o pensamento monárquico num povo em que a monarquia já não existe e nenhuma chance tenha de restauração? Não se tirarão ensinamentos para a instauração da Realeza noutras paragens?

Diga-se de passagem que no presente, entre nós a monarquia praticamente morreu também, pois aquele a quem caberia a posição de rei, em boa verdade é republicano porque é democrata, a república sendo a conclusão lógica da democracia. E claro que um "pretendente" republicano nunca será rei, como um ateu jamais será papa, por muito que lhe dêem tal nome. E sem rei não se vislumbra monarquia senão numa manhã de nevoeiro.

Mas voltemos ao nacionalismo português.

Numa altura em que se estava longe de se aplaudir a felonia e a deserção, agora celebradas anualmente, em garbosos desfiles de luva branca e ar marcial das chamadas forças armadas, mas em que já nuvens caliginosas se acumulavam sobre Portugal, por força de um regime execrável e das mais falsa ideologias, um grupo de rapazes resolveu pensar a pátria em dignidade e verdade. Assim surgiu o Integralismo Lusitano com Sardinha, Pequito Rebelo, Hipólito Raposo, Almeida Braga, João do Ameal, Alberto Monsaraz, Rolão Preto, etc. Começaram eles por publicar uma revista a Nação Portuguesa, constituir um movimento e ter um jornal denominado Monarquia. No primeiro número da Nação Portuguesa, apareceu um texto célebre "O que nos queremos". Aí se traça a concepção de uma monarquia de poder pessoal como condição sine qua non da sobrevivência da Portugalidade.

Mas o que os integralistas dessa época expunham era bastante mais do que esse texto dizia.

Eles desenvolviam um nacionalismo claro, corporizado, verbi gratia, nas palavras de Sardinha "pondo a nacionalidade como razão e fim de nós próprios concluímos na necessidade do Rei como elemento do seu prestígio e da sua existência".1

E não esqueçamos que, na obra de maior fundo teorético do Integralismo — Pela dedução à monarquia de Pequito Rebelo — este, depois de traçar a hierarquia ontológica-axiológica dos seres — "matéria força, organismo vivo, pessoa humana e sociedade",2 não hesitava em escrever que "a pessoa humana, constituindo parte da sociedade, é menos complexa que a sociedade", continuando mais adiante "o mal reside até, não directa e essencialmente na personalidade, mas na actualização de uma possibilidade da personalidade que é exactamente a possibilidade que tem a personalidade de persistir em si mesma não se integrando nas leis sociais".3

Como se vê, o Integralismo tomava posição universalista na questão básica "indivíduo sociedade". Dela é que decorria a sua atitude monárquica. E nem vale a pena exibir as páginas, tão numerosas elas são, em que a partir das suas concepções iniciais, deduzia uma série de negações firmes como o repúdio do liberalismo e da democracia e do período constitucional.

Sobre o Integralismo pesou a acusação de ser um plágio da Action Française. Mas não passa de um lugar comum ainda para mais falso. É patente que entre ambas as escolas há pontos idênticos, porque ambas são espécies de nacionalismo. Mas, também, aqui e ali, havia discrepâncias: no tocante ao romantismo, à Renascença, à valoração da Idade Média, à questão do direito sucessório, etc.. A hipótese do plágio ou decalque é, assim, de afastar. Sem falar que na tradição do pensamento político português existiam já vários tópicos perfilhados pelo Integralismo.

De resto, a suposição que um nacionalismo se contradiz por coincidir com outro no essencial, não tem fundamento racional. Nessa altura dois indivíduos não podiam ser, igualmente, individualistas. Adiante.

Anote-se que o Integralismo inicial foi acompanhado, desde 1915, por um escritor que jamais aderiu formalmente a ele, mas com cuja doutrina declarava estar de acordo por inteiro. Refiro-me a Alfredo Pimenta, um dos mais coerentes, mais eruditos e mais desassombrados dos pensadores monárquicos portugueses.

E não se deixe de salientar que se o Integralismo considerava pseudo monarquia a chamada monarquia liberal, condenava ainda como desvio perigoso do rumo normal da tradição, a denominada monarquia absoluta, em que as Cortes deixaram de ser ouvidas.

Quanto a nós, a monarquia desapareceu, efectivamente, em 1820 (com breve reaparecimento, no reinado de D. Miguel) mas não sofreu o desvio perigoso com um chamado absolutismo caracterizado pela não reunião de Cortes. As Cortes eram convocadas por iniciativa do Rei e que, durante largo tempo, não fossem convocadas, em nada alterava a constituição da monarquia.

Não vou aqui deter-me longamente nas vicissitudes do Integralismo. Ele, de início, aceitou a realeza de D. Manuel II, sem embargo deste, em 1914, data do aparecimento da Nação Portuguesa, não ter renegado a Carta e não ter dado sinais de se aproximar da genuína realeza.

Em Janeiro de 1919, teve lugar a Monarquia do Norte, assim chamada porque durante cerca de um mês a norte do Douro, a bandeira azul e branca substituiu aí a verde e vermelha. D. Manuel, partidário entusiasta dos meios legalitários e, aliás, pouco informado, permaneceu alheio à revolta.

O Integralismo, depois da vitória do regime republicano escolheu o momento para formular um Ultimato ao Rei exigindo que repudiasse a Carta e adoptasse a doutrina tradicionalista. Como aquele não aceitasse a exigência, os integralistas desligaram-se da obediência a quem, até então, acatavam como soberano e aclamaram rei o descendente D. Miguel, D. Duarte Nuno de Bragança (a seguir a várias abdicações), uma criança ainda que ficou sob tutela da Infanta D. Aldegundes.

Monárquicos houve que, aderindo aos princípios integralistas, achavam descabida a imposição feita a D. Manuel. Por exemplo Alfredo Pimenta.

Em 1922, celebrou-se o Pacto de Paris, entre o ramo miguelista e o ramo manuelista. D. Aldegundes em nome do Sr. D. Duarte, reconhecia a realeza de D. Manuel. E estabeleceu-se que a futura constituição seria da competência das Cortes.4

Os integralistas repudiaram o Pacto considerando-o, e bem, uma pura expressão de parlamentarismo, usando até António Sardinha a dura expressão "atraiçoados por uma infanta de Portugal".5

Nessa altura, o Integralismo Lusitano dissolveu-se enquanto organização política, apenas ressurgindo quando o Pacto foi denunciado por D. Aldegundes, em 1925. Já então morrera Sardinha.

Entretanto, após algumas tentativas infrutíferas, os integralistas manuelistas estruturaram-se num grupo sólido, que foi a Acção Realista Portuguesa, em que Alfredo Pimenta era vulto destacado e onde se salientaram Caetano Beirão, João Ameal, Fernando de Campos, António Cabral, Luís Chaves, Ernesto Gonçalves e outros.

Depois do 28 de Maio, um dos fundadores do Integralismo, exilado no Brasil, a seguir a 1919 — João do Amaral —, regressou e fundou a Liga de Acção Integralista, a que aderiram a Acção Realista e uma série de Integralistas da nova geração. Nesse período agitado, em que as tentativas de golpe abundavam, uma série de oficiais, ligados à referida Liga, falharam na imposição das suas directrizes, arrastando-a na débacle. Permaneceram a Acção Realista, tal como os velhos integralistas.

Dois acontecimentos marcaram o nacionalismo português a seguir — a entrada de Salazar, em 1928, para o governo, na qualidade de ministro das Finanças, onde o prestígio, em breve adquirido, permitiu-lhe proferir, em 1930, o chamado, impropriamente, discurso da Sala do Risco em que manifestou a intenção de imprimir à conjuntura castrense da época uma orientação nacionalista, anti-liberal e antidemocrática, mas fazendo abstracção da monarquia e, por outro lado, em Fevereiro de 1932, o aparecimento do jornal Revolução que, em Maio do mesmo ano, passou a ser dirigido por Rolão Preto, iniciando-se assim o movimento nacional-sindicalista de que Rolão assumiu a chefia e Alberto Monsaraz o cargo de secretário "geral". Tratava-se de dois integralistas que, não esqueçamos, se tornavam dirigentes de um partido nacionalista, mas igualmente alheio à ideia monárquica.

O nacional-sindicalismo tinha todos os aspectos exteriores do fascismo — camisas azuis, saudações de braço estendido, etc. Salazar, esse, nas suas célebres entrevistas a António Ferro, acentuara o que o aproximava do fascismo mas também o que o separava, sendo sempre insistente no seu repúdio activo do totalitarismo. O órgão jornalístico do nacional-sindicalismo foi — juntamente com o Comércio do Porto, não se sabe por que carga de água — o único em Portugal a celebrar a subida ao poder de Hitler.

Mas, à parte as manifestações folclóricas e a celebração referida, o nacional sindicalismo pouco tinha de genuinamente fascista, como aliás mostraremos adiante.

Claro o choque destas duas tendências, dentro da mesma política parecia inevitável. O nacionalismo como que estava numa encruzilhada: ou optar por uma alternativa de direita conservadora, meramente fascistizante, ou por um fascismo integral e radical. Mas, na nossa opinião semelhante alternativa não passa de uma aparência ilusória. Quem lê os textos de Rolão e o diário Revolução nada encontra de substancialmente totalitário. Mais: em 16 de Julho de 1933, num discurso no teatro S. Carlos, ele proclama "nós estamos para além do fascismo que é a escravidão do homem em proveito do Império".6

Em Novembro desse ano reúne-se o Congresso nacional-sindicalista para se debater a posição face ao Estado Novo. Rolão Preto, Monsaraz e bastantes outros manifestam-se a favor da plena independência, do estar de fora, ao passo que Manuel Múrias, Supico Pinto e muitos militantes se manifestaram a favor do regime.

A cisão ocorreu e, enquanto a Revolução era suspensa aparecia a Revolução Nacional dirigida por Múrias.

Em Julho de 1934 surge a célebre nota de Salazar convidando os nacionais-sindicalistas a ingressar na União Nacional, os que o não fizessem passando a ser considerados indiferentes ou inimigos.

Em 1935, os nacionais-sindicalistas da obediência a Rolão Preto mancomunaram-se com elementos da anti-nação num golpe de estado fracassado contra Salazar e, no ano seguinte, Rolão Preto publica o livro Justiça, dedicado à memória de seu bisavô deputado às constituintes vintistas e do filho deste, cúmplice dos assassinos dos lentes de Coimbra que iam prestar homenagem ao rei legítimo. E dedica-o com estas palavras "ao seu alto sonho de liberdade".7 No volume abundam os elogios "aos direitos de livre crítica"8 à "independência dos poderes do Estado"9 bem como os ataques à censura que a "Revolução não pode aceitar porque não aceita nenhum limite para as liberdades espirituais"10 e por aí adiante.

Em obra intitulada A Revolução espanhola não deixa de agredir o fascismo. Em Para além da guerra, de 1942, em plena cruzada das democracias, prudentemente não toma atitude clara, tendo a pitoresca conclusão que, com a guerra, o homem concreto "compreendeu… como será vã toda a justiça que não assente no respeito da pessoa humana porquanto toda a pessoa é sagrada".11 Só que as pessoas, pelos vistos, sagradas de Hitler e Mussolini, já em 1945 no estudo Traição burguesa são classificadas de "tiranos".12

Quanto ao resto, nem vale a pena falar. O que ainda se aponta como chefe fascista português esteve ao lado do pobre demagogo Humberto Delgado e deu o seu aval à traição abrilina, presidindo um dos seus partidos — o P.P.M. Para chefe de movimento fascista não está mal!
______________________________________
1 António Sardinha, Na feira dos Mitos, Lisboa, Gama, 1942, 2ª: ed., p.3.
2 Pequito Rebelo, Pela Dedução à Monarquia, Lisboa, Gama, 1945, p.13.
3 Pequito Rebelo, Idem, p.27.
4 António Cabral, El Rei D.Duarte II, Lisboa, Francisco Franco ed., 1934, p. 75.
5 António Sardinha, A Prol do Comum, Lisboa, Férin, 1934, p. 26.
6 Cit.por José Plácido Barbosa, Para além da Revolução… Revolução, entrevistas com Rolão Preto, Porto, 1940, p.127.
7 Rolão Preto, Justiça, Lisboa, sem menção de editor, 1936, p.1.
8 Rolão Preto, Idem, p.95.
9 Rolão Preto, Idem, p. 91.
10 Rolão Preto, Idem, p.98.
11 Rolão Preto, Para além da guerra, Lisboa, Gama, 1942, pp. 113-114.
12 Rolão Preto, A traição burguesa, Lisboa, Pro Domo, 1945, p.162.

(continua num próximo post)

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