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2003/10/13

NACIONALISMO ONTEM E HOJE (I) 

Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001

Prof. Dr. António José de Brito

Podemos, sem grande receio de erro sustentar que o nacionalismo surgiu na Europa nos finais do século dezanove 1. Claro que é possível denominar de nacionalista o movimento que despertou no termo de mil e setecentos e começos de mil e oitocentos e que melhor se designará pelo raiar do princípio das nacionalidades, ligado aliás às revoluções americana e francesa 2. Trata-se de uma modalidade do individualismo. Os homens agrupar-se-ão de acordo com a sua vontade. Eles estarão juntos se lhes aprouver estar juntos. Apesar de uma linguagem, uma religião e um passado comuns se assim o resolverem, formarão várias nações. Uma comunidade política multissecular dividir-se-á, se tal for o soberano querer dos seus habitantes.

Em suma: as nações não são nada de substancial; a sua existência é uma projecção do ideário dos direitos da pessoa humana e do cidadão, um aspecto do catecismo democrático. Daí que alguns pensadores ou pseudopensadores repitam hoje em dia, que só depois de 1789 passou a haver nações 3. Não se costuma frequentemente a propósito de tal fenómeno aludir a nacionalismo 4. Mas há quem o faça e, como os vocábulos suportam tudo, não deixamos de advertir que “isso” também será por hipótese baptizado de nacionalismo. Em todo o caso é a antítese do que na França, na Itália, em Portugal, recebeu, no início da passada centúria, a classificação de nacionalismo e que trazia consigo duas concepções com certo ineditismo e escândalo: 1) cada nação representava algo de superior aos indivíduos humanos e são estes que devem estar ao serviço das nações e não o inverso; 2) importa fixar solidamente quais são as condições do primado do interesse nacional e não se ficar pelas expansões sentimentais, sem consistência, de amor à nação.

O nacionalismo procurava estabelecer as exigências indeclináveis da vida e prosperidade da nação e onde estão, juntamente com a sua morte, os seus inimigos. Por isso formulou, inequivocamente, o conceito de anti-nação na convicção que é perfeitamente disparatado exaltar a ideia de nação e aplaudir ao mesmo tempo o que é contrário à nação.

O nacionalismo sustentou que as nações só duram se os indivíduos organicamente se integrarem nos grupos naturais — família, municípios, sindicatos — que, por seu turno, terão de integrar-se na grande totalidade ou unidade nacional. E porque a nação é uma unidade precisa de um poder uno, que tal unidade garanta, contra todas as tendências dissociadoras; esse poder uno, obviamente, é o poder de um só, o qual se não for transmitido por hereditariedade, por ordem de progenitura, acaba por dissolver-se na pluralidade.

O nacionalismo — francês, italiano, português — foi, por isso, corporativista e monárquico; a monarquia que defendia nada tinha a ver com as actuais contrafacções da monarquia, extremamente divulgadas em Portugal e na França.
Simultaneamente, o nacionalismo considerava expressões da anti-nação, antes de mais, os partidos, factores divisionistas por excelência e, depois, os chamados direitos fundamentais, que logicamente levavam a admitir liberdade de imprensa, porventura contra a nação, liberdade de pensamento acaso contra a nação, a liberdade de consciência eventualmente contra a nação e a liberdade de voto directamente contra a nação.

O nacionalismo, em resumo, em nome da nação procurava estabelecer uma ordem que obedecesse a princípios que tinham estado em vigor em grande parte do mundo até 1789.

Pondo o primado da nação não fazia senão ressuscitar a velha tese segundo a qual o bem comum, diferente da mera soma dos bens particulares, era axiologicamente superior a estes. Tese que vem de Platão e Aristóteles até aos nossos dias passando, por Descartes e Hegel. Só que na Grécia o bem comum era o bem da polis, na Idade Média o de um Império, mais aspiração do que realidade, com o nacionalismo o bem de uma comunidade — não de uma super associação comercial como a C.E.E. — fixada a determinado solo, com uma história política, uma missão e uma tradição idênticas — a nação. Os homens passam e esta pode e deve subsistir, acentua o nacionalismo. Ela é uma espécie de património dado em depósito a cada geração. Se a contemporânea e as seguintes a renegam, a nação agoniza e desaparece. Corno diz Maurras, ela é "Mãe e filha dos nossos destinos".

"Mãe" porque o todo vale mais do que as partes ut singuli, a unidade supera a pura pluralidade, "filha" porque, na ordem factual, as partes podem aniquilar o todo, a pluralidade dissolver a unidade.

E por que motivo é que a unidade vale mais que as partes, a unidade mais que a pura pluralidade? Por serem aquilo que de mais alto se pode conceber. Colocar qualquer coisa acima do todo ou da unidade é impensável, visto que o todo seria uma parte do que está acima dele, a unidade se reduziria a um múltiplo entre outros.

O todo, a unidade são o que há de mais elevado. O nacionalismo, sem considerar as nações a própria unidade ou o todo, sublinha que elas estão muito mais próximas de semelhantes ideias do que um mero aglomerado ocasional de indivíduos ou pessoas humanas.

Esta é expressão do que é dividido, porque os elementos reunidos apenas o estão arbitrária e acidentalmente. E o dividido é o que está em interno conflito. Logo o que se contradiz.

Por outras palavras: o bem particular é o bem limitado; o máximo bem, o bem ilimitado será o que for comum. E a nação como comunidade representará um bem que é comum, superando assim o bem dos indivíduos humanos.

Acontece que o nacionalismo, exigindo, como vimos, o repúdio dos partidos, dos direitos do homem, em suma o repúdio da concepção do mundo democrática, não deixou de os encarar face a face, procurando demonstrar que, tomada em si, não passava de uma série de falácias. O nacionalismo surgiu, assim, ligado a uma implacável crítica da democracia. Sintetizemos a sua posição a tal propósito.

Ele salientou os seguintes tópicos: 1) a liberdade ou aceita a sua negação autodestruido-se ou impõe-se, autodestruindo-se também; é contraditória. 2) Se o homem tem direitos enquanto homem é porque é valor em si; mas como pode o que é valor em si cometer as maiores abominações — v.g. as que são imputadas aos fascistas e nazis — e, além disso, pôr em prática a doutrina de que o homem não é valor em si? Outra contradição. 3) No que respeita à liberdade de associação, que ganha especial relevo no tocante à formação de partidos políticos, encerra ela igualmente contradição porque ou podem formar-se partidos, eventualmente triunfantes contra a liberdade de associação, e a liberdade de associação auto-aniquila-se; ou se proíbem os partidos que sejam contra a liberdade de associação, só se admitindo partidos adeptos da liberdade de associação, ou seja partidos, com uma ideologia única e fundamental; logo um partido único (dividido em subpartidos com divergências de pormenor) numa negação clara de uma clara liberdade de associação.

O nacionalismo situando-se numa patente antítese do universo das ideias demo-liberais, sentiu-se no dever de mostrar que o seu inimigo não passava de um conjunto de incoerências, um verdadeiro caos mental.

Mas o nacionalismo não se limitou a isso. O mundo demo-liberal não só se proclamava o detentor da racionalidade, como tentava mostrar que, fora dele, ao longo da história só tem havido horrores e monstruosidade, maiores ou menores. Por isso o nacionalismo procurou fazer uma revisão da história no sentido de desmascarar as propagandas (por exemplo contra D. Miguel e o Ancien Régime) e anular as pseudo certezas espalhadas pelos vencedores.

Convém advertir que o nacionalismo não absolutiza a nação, porque sabe perfeitamente que houve e há várias nações e que o Absoluto é só um.

A nação, para ele, será o que mais se aproxima do Absoluto na perspectiva terrena, mas não é o Absoluto. Nesse sentido, o nacionalismo admite a manifestação revelada do Absoluto através da religião, especialmente quando for a religião tradicional e própria de um país. Não se julgue, porém, que o nacionalismo faz da religião um instrumento e pensa que não deve ser encarada do ponto de vista da sua verdade intrínseca. Simplesmente não lhe cabe, enquanto nacionalismo, pronunciar-se sobre o problema.

Claro que, a priori, entende que "gratia non tollit naturam sed perficit" e por isso não concebe, e considera falsa, uma religião anti-nacional não tendo escrúpulos em tomar as medidas que entender oportunas contra ela.

Obviamente, o nacionalismo é uma ética ou uma moral. Não vamos abordar aqui o problema da distinção entre ética e moral.

Pela nossa parte, sustentamos que onde houver um valor supremo estamos face a algo que dirige as acções dos homens de maneira indiscutível, traçando-lhes deveres e os únicos direitos admissíveis, que são os que derivam dos deveres. E a isso chamamos ética ou moral.

Pelo que dissemos acerca do nacionalismo, torna-se patente que este é uma ética ou moral.

Em todo o caso, pode-se observar contra o que aqui expusemos que o nacionalismo é uma política: E a política nada tem a ver com a moral (ou ética). A moral representa algo de absoluto ou que participa do absoluto: a política não. Aí tudo é contigente e mutável. Não vale a pena aborrecer-nos com ninguém, actor ou entusiasta da traição abrilina, por Portugal ter sido reduzido a um miserável rectângulo. Pessoalmente sentiremos muita pena, mas isso não deve impedir que sejamos correligionários de pessoas que pensam o contrário. Em política não há nada de radicalmente errado, nada por que valha a pena lutar e morrer.

Simplesmente, esses que proclamam que moral e política estão perfeitamente afastadas, se distinguem por inteiro, não deixam de, indignados, gritar, espolinhar-se, manifestar com fúria a sua condenação do chamado holocausto, sobre o qual tive e tenho todas as dúvidas por mais que estude o assunto. De passagem digamos que alguns dos que hoje fulminam raios contra o dito holocausto (e, ao mesmo tempo, põem a política de um lado e a moral do outro), ainda aqui há uns anos se mantinham em silêncio discreto ou em privado exprimiam até o seu cepticismo quanto ao dito holocausto. Deixemos isso, porém.

A questão é a seguinte: se se asseverar que o holocausto era a política nacional-socialista —repito que não creio nisso — ele, enquanto política, não poderia ser moralmente condenado.

Claro que nos replicarão que a política não é a moral, mas não deve violar a moral. Imediatamente, surgirá, então, a pergunta: não é verdade que proibir algo implica o valor daquilo cuja negação é proibida. E encontrando-se o valor encontra-se o que deve ser respeitado e seguido.

Logo, se a moral proíbe certos comportamentos políticos, ipso facto está a impor à política que seja orientada e guiada por determinadas directrizes morais, com o que aquela é integrada na moral.

Talvez se observe que esta última é mais ampla que a política? Será, mas isso não impede que a política faça parte da moral. Se este ponto de vista for falso, voltaremos à separação entre moral e política o que implicaria que em política se podem cometer, tranquilamente, actos imorais ou amorais. Admitir-se-ia o velho ditado inglês "in love and politcs everything is fair" e aceitar-se-ia o holocausto — em que, insisto, não acredito, mas cuja realidade, me fosse demonstrada, reprovaria com indignação. O engraçado é ver os apologistas da separação entre moral e política aos urros contra a monstruosidade moral do nacional socialismo, embora, coerentemente, a traição de Abril ou a de Julho de 1944 pareça já não os incomodar muito — é política.

De qualquer modo, o nacionalismo indicando o que é para ele o bem mais alto, na ordem terrena, formulando deveres e direitos, etc., não pode deixar de constituir uma ética (ou moral) e os que o negam, no brilhante intuito de "dessacralizar" a política, o que pretendem legitimar é oportunismo e renegações, torpes convivências et reliqua. São tudo menos nacionalistas, ainda que convidados para congressos com esse rótulo.
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1 No sentido em que "nacionalism is a state of mind in which the supreme loyalty of the individual is felt to be due to the nation state" (Hans Kohn, Nationalism, Malabar, Florida, Robert & Krieger, 1982, p. 9) e que "in nationalism the nation is placed upon the highest pedestal" (Peter Arnold, Nationalism, London, Edward Arnold, 1965, p. 9), o nacionalismo surgiu apenas nos finais do século dezanove, embora os autores que citamos, contrariando as próprias definições, o localizem muito anteriormente.
2 Veja-se por exemplo, Benaerts, Hauser, L'Huillier, Maurain, Nationalités et Nationalisme, Paris, PUF, 1968; Nationalism in Europe 1815 to the Present, a reader, ed. by Stuart Woolf, London and New York, R, 1996; Nationalism and Nationalities in the new Europe, ed. by Charles A. Kupchan, Ithaca and London, Cornell University Press, 1995, pp.19-52; Nationalism, ed. by J. Hutchinson & A. D. Smith, Oxford University Press, 1994, pp. 5-6.
3 René Maublanc, Esquisse d'une morale républicaine, Paris, La Bibliothèque Française, 1945, p. 29.
4 Raul Girardet, Autour de L'Idéologie Nationaliste, in Revue Française de Science Politique, vol XV, n.º 3, Juin 1965, pp. 426-427.

(continua num próximo post)

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