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2012/08/11

Paradoxos da vida e da morte 

Um dos maiores paradoxos da época actual em matéria de medicina e saúde é que o progresso científico e tecnológico, supostamente concebido para poupar e prolongar vidas humanas, acaba por se tornar um instrumento que tende a levar atrás de si, simultaneamente, um crescente rasto de morte: o aborto, a eugenia, os embriões excedentários destruídos, frequentemente usados como cobaias em experimentação, e agora a eutanásia, que compreenderá, até chegar à fase pura e dura, o testamento vital – um pormenor transitório –, a que se seguirá a “morte assistida”, mais ano menos ano, cabendo aí um leque mais alargado de opções, e de abusos, para a morte.

O curioso é que a retórica que pretende justificar tais legislações, a da qualidade de vida e da morte digna, conduz invariavelmente à instauração de opções pela morte.

O aborto começou por ser, na lei de 1984, restringido a casos de violação, de malformações do feto e outros similares. Hoje, qualquer nascituro com 12 semanas ou menos pode ter azar, gratuitamente e sem taxa moderadora.

Bem podem os defensores da eutanásia dizer que a lei, de que o testamento vital é o cavalo de Tróia, não obriga ninguém a fazê-lo, nem a pedir a “morte assistida”, porque a verdade é que, pelo facto da lei existir e ser conhecida já condiciona à partida os doentes terminais, transmitindo-lhes a ideia de que são inúteis, de que a sua situação não tem sentido, que o melhor, segundo essa visão utilitarista, é pedirem a “morte assistida”.

O problema, na sua raiz, não é técnico, nem está na medicina. O problema está na visão subjacente da vida, da dor, do sofrimento, da morte, nos pressupostos, de quem legisla.

Para muitos, a perda do sentido transcendente da vida, com todas as suas limitações, e da morte, aliada à expectativa ilusória de uma vida saudável e de bem estar sem interrupção e à presunção de domínio e controle do futuro, alcandorou a saúde a valor supremo: a saúde, o bem estar e o conforto transformaram-se numa verdadeira religião, criando expectativas irreais, que passam por tentar viver como se a dor, o sofrimento e a morte não existissem, tentando expulsar, pateticamente, do horizonte terreno essas realidades. Desta obsessão emerge aquilo a que podemos chamar a moral sanitária: a saúde e o bem estar valem mais que as pessoas. Nesta lógica utilitarista, um doente terminal, um nascituro indesejado, estão tramados, não valem nada, são uns farrapos. As pessoas valem na medida em que têm saúde e do bem estar que lhes é consignado. Um indivíduo saudável é bestial. Um doente terminal, um nascituro deficiente ou indesejado, rapidamente se transforma numa besta.

O aborto e a eutanásia tornam-se uma sentença arbitrária de inutilidade e de morte para os mais frágeis: os que ainda não nasceram, por serem deficientes ou simplesmente indesejados, e os doentes terminais.

O resultado legislativo desta moral sanitária é a existência de leis cada vez mais favoráveis à morte, um cerco cada vez mais apertado, sobretudo nas fases iniciais e terminais da vida. O legislador e o Estado tornam-se senhores da vida e da morte das pessoas, ao estabelecerem o enquadramento legal de quem deve nascer e de quem deve morrer, quando o que importava era limitar o poder do Estado nestas matérias.

Como se verá a seu tempo, o testamento vital não será mais do que uma fase de transição para uma legislação hard-core da eutanásia, à semelhança doutros exemplos anteriores. A única forma de respeitar a vida das pessoas é permitir que elas vivam até onde e quando naturalmente forem capazes, com a ajuda de cuidados paliativos, se necessários, sem excessos terapêuticos nem pressa de as despachar.

Há décadas, o mundo viu alguns Estados determinar legalmente quem deve nascer e morrer em nome da higiene da raça. Hoje vê-se o mesmo fenómeno em nome da saúde. Uma diferença subtil.

É por isso que é preciso marcar limites e restringir o poder do Estado no que toca à sua intervenção no princípio e no fim da vida humana: para não se tornar senhor dela.

manuelbras@portugalmail.pt

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