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2010/10/06

Um feriado 

in "Público"

A Carta Constitucional de 1826, que vigorou com suspensões o grosso do tempo da monarquia liberal, consagrava a liberdade de expressão e de imprensa. Impunha-lhe apenas "os justos limites da responsabilidade pelos abusos". Este princípio típico do ideário liberal fez com que ao longo do século XIX surgissem centenas de jornais políticos, muitos deles ferozmente críticos e satíricos do rei e das instituições do regime. Jornais que tinham como títulos (a palavra "Revolução" aparecia em muitos deles) verdadeiros apelos ao protesto e à sublevação, mas que ainda assim a monarquia não fez por proibir. Tal como surgiu também o chamado jornal de grande divulgação, capaz de atingir um público mais vasto, como eram o Diário de Notícias (fundado em 1861) ou o Primeiro de Janeiro (de 1868).

A cultura política da monarquia constitucional produziu assim, através dos jornais e de uma tradição panfletária e literária que se perdeu no nosso tempo, um ambiente de confrontação especialmente virulento para os partidos e até para as figuras consideradas invioláveis como o rei e a família real. Uma liberdade que os políticos não puderam domesticar, porque isso seria trair o espírito liberal de um regime que assentava na coexistência entre ideias políticas distintas no quadro de normas de civilidade e respeito. E sempre que o tentaram não tiveram sucesso.

Basta percorrer a lista de leis aprovadas no tempo da monarquia sobre liberdade de imprensa. O exemplo maior é a famosa lei das rolhas, aprovada em 1850, uma lei especial que criou um extenso catálogo de crimes de imprensa que penalizava por exemplo qualquer ofensa ou injúria ao rei ou a "algum ministro de Estado ou membro das Câmaras Legislativas, no exercício ou por causa das suas funções". Isto que hoje veríamos como arbitrário foi tomado à época como restrição intolerável à liberdade de pensamento. Houve protestos da "opinião ilustrada", acusações de que a lei violava a Carta. No ano seguinte o Governo revogou-a. E só mais tarde, quase no final do século XIX, e já com D. Carlos no trono, é que o Estado tentou impedir e actuar contra quem usasse a liberdade de expressão para praticar "actos subversivos da ordem social" ou quem "professasse doutrinas de anarquismo". Profético.

Em 1907, o Governo de João Franco aprovou um decreto ditatorial que dizia assim no preâmbulo: "De há muitos anos a esta parte que os desmandos de linguagem e a perniciosa atitude de grande parte da imprensa periódica em Portugal tem sido uma das dificuldades com que lutam todos os governos." Era no entanto inútil, porque inverter a cultura política da monarquia seria acabar com ela. O que de certo modo ajuda a perceber como o regime interiorizou a liberdade de expressão e de imprensa nos seus "hábitos" políticos.

Foi no meio desse ambiente que enfatizava a liberdade de pensamento e o confronto que os republicanos cresceram politicamente na segunda metade do século XIX. Serviram-se dele para combater e minar as instituições do regime. Quando o 5 de Outubro chegou, foi mesmo uma Revolução. Livros publicados nas últimas décadas de historiadores como Rui Ramos ou Vasco Pulido Valente ajudaram a remover a imagem falsa da República que mudou para melhor a cultura política da monarquia. Eles destacaram a sua natureza violenta, facciosa e persecutória. A cultura da imprensa livre foi substituída por outra de controlo e intimidação partidária. Proibiram-se jornais monárquicos, católicos ou moderados; assaltaram-se redacções; perseguiram-se jornalistas. O "empastelamento", no vocabulário da época, era aquilo que se fazia com a imprensa desavinda ou ameaçadora, que nunca poderia sobreviver caso ousasse criticar os principais políticos do partido único daquele regime.

A liberdade de expressão e de imprensa é para mim a essência da democracia. Não é o sufrágio universal. Sou republicano, mas não consigo comemorar o 5 de Outubro de 1910 por isso. Neste aspecto, o regime foi a primeira parte do Estado Novo.

Pedro Lomba
Jurista



manuelbras@portugalmail.pt

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