2009/12/10
A Tetralogia da Modernidade
Manuel Brás
Um dos fenómenos mais caricatos no meio da guerra de costumes a que a sociedade portuguesa está a ser alvo é o aparecimento de gente com o rótulo de “católicos” a apoiar exactamente o contrário daquilo que no Cristianismo e na civilização judaico-cristã (e não só) sempre se entendeu como males ou desordens a evitar ou a corrigir: o aborto, a homossexualidade, a eutanásia, etc.
Será truque? Seja como for, já se percebeu que, quando se trata de criticar a Igreja todos são “católicos”.
Alguém com o rótulo “católico” asseverava ser difícil para a Igreja, neste caso a Conferência Episcopal Portuguesa, condenar a eutanásia. A dificuldade em condenar a eutanásia só existe mercê de um truque semântico – a “morte assistida” – à semelhança do que acontece com a “interrupção voluntária da gravidez” e dos “direitos reprodutivos” em relação ao aborto. Porque se chamarmos a “morte assistida” como aquilo que é, a morte provocada dos doentes terminais, então a condenação está explicada.
Dirão alguns que a morte provocada – agora já sem máscaras – é uma bênção porque alivia o sofrimento inútil, para eles incompreensível e sem sentido. Mas será que os políticos legisladores têm competência para legislar sobre o sentido do sofrimento e da morte, assim arbitrariamente, só porque o ignoram? Os legisladores são tão bons, tão bons, que até autorizam os doentes terminais a pedir que lhes tirem a vida e os médicos a tirá-la.
Dirão esses que é só para quem de forma esclarecida e consciente assim o pedir, que ninguém é obrigado a pedir. Mas basta haver uma lei conhecida que consagra o pressuposto da inutilidade do sofrimento para que o doente terminal se sinta inútil perante a sociedade, e implicitamente pressionado a que o eliminem, como quem sussurra ao ouvido: “Vê lá se te despachas”. É bom de ver que se a saúde do corpo é o valor supremo e o sofrimento é inútil, o que sofre também é. O medo do sofrimento, irracional como todos os outros medos, de que se alimenta a eutanásia e o obscurecimento da vida eterna explicam o resto.
É curioso que a instituição que esses “católicos” criticam tem como fundador o Homem que mudou radicalmente o sentido da dor e do sofrimento no mundo, que de uma maldição cega e absurda passou a ser, para quem com Ele se identifica, um meio (não um fim) com sentido de vitória e salvação.
Como não podia deixar de ser, aparece sempre a retórica recorrente da qualidade de vida e da dignidade, que servem para tudo e o seu contrário. É estranho como esta gente estabelece que a qualidade de vida vale mais que a própria vida. Se eliminam a vida, ainda que terminal, como é que pode haver qualidade de vida? É curioso como os cuidados paliativos até à morte natural, o alívio da dor e do sofrimento, e, mais importante ainda, todo o afecto e sentido de vida que com isso se demonstra ao doente, não são para esta gente sinónimo de qualidade de vida, nem dignidade, nem compaixão. Para eles, “compaixão” é despachar.
De resto, é a qualidade de vida e a dignidade que estão por trás da Tetralogia da Modernidade: foi em nome dessas duas abstracções que foi liberalizado o aborto, que o divórcio (para os heterossexuais) foi promovido, que se justifica o casamento (para os homossexuais) e a morte provocada dos terminais inúteis.
É curioso como a qualidade de vida e a dignidade vistas pela modernidade levam invariavelmente à destruição e à morte.
manuelbras@portugalmail.pt
Um dos fenómenos mais caricatos no meio da guerra de costumes a que a sociedade portuguesa está a ser alvo é o aparecimento de gente com o rótulo de “católicos” a apoiar exactamente o contrário daquilo que no Cristianismo e na civilização judaico-cristã (e não só) sempre se entendeu como males ou desordens a evitar ou a corrigir: o aborto, a homossexualidade, a eutanásia, etc.
Será truque? Seja como for, já se percebeu que, quando se trata de criticar a Igreja todos são “católicos”.
Alguém com o rótulo “católico” asseverava ser difícil para a Igreja, neste caso a Conferência Episcopal Portuguesa, condenar a eutanásia. A dificuldade em condenar a eutanásia só existe mercê de um truque semântico – a “morte assistida” – à semelhança do que acontece com a “interrupção voluntária da gravidez” e dos “direitos reprodutivos” em relação ao aborto. Porque se chamarmos a “morte assistida” como aquilo que é, a morte provocada dos doentes terminais, então a condenação está explicada.
Dirão alguns que a morte provocada – agora já sem máscaras – é uma bênção porque alivia o sofrimento inútil, para eles incompreensível e sem sentido. Mas será que os políticos legisladores têm competência para legislar sobre o sentido do sofrimento e da morte, assim arbitrariamente, só porque o ignoram? Os legisladores são tão bons, tão bons, que até autorizam os doentes terminais a pedir que lhes tirem a vida e os médicos a tirá-la.
Dirão esses que é só para quem de forma esclarecida e consciente assim o pedir, que ninguém é obrigado a pedir. Mas basta haver uma lei conhecida que consagra o pressuposto da inutilidade do sofrimento para que o doente terminal se sinta inútil perante a sociedade, e implicitamente pressionado a que o eliminem, como quem sussurra ao ouvido: “Vê lá se te despachas”. É bom de ver que se a saúde do corpo é o valor supremo e o sofrimento é inútil, o que sofre também é. O medo do sofrimento, irracional como todos os outros medos, de que se alimenta a eutanásia e o obscurecimento da vida eterna explicam o resto.
É curioso que a instituição que esses “católicos” criticam tem como fundador o Homem que mudou radicalmente o sentido da dor e do sofrimento no mundo, que de uma maldição cega e absurda passou a ser, para quem com Ele se identifica, um meio (não um fim) com sentido de vitória e salvação.
Como não podia deixar de ser, aparece sempre a retórica recorrente da qualidade de vida e da dignidade, que servem para tudo e o seu contrário. É estranho como esta gente estabelece que a qualidade de vida vale mais que a própria vida. Se eliminam a vida, ainda que terminal, como é que pode haver qualidade de vida? É curioso como os cuidados paliativos até à morte natural, o alívio da dor e do sofrimento, e, mais importante ainda, todo o afecto e sentido de vida que com isso se demonstra ao doente, não são para esta gente sinónimo de qualidade de vida, nem dignidade, nem compaixão. Para eles, “compaixão” é despachar.
De resto, é a qualidade de vida e a dignidade que estão por trás da Tetralogia da Modernidade: foi em nome dessas duas abstracções que foi liberalizado o aborto, que o divórcio (para os heterossexuais) foi promovido, que se justifica o casamento (para os homossexuais) e a morte provocada dos terminais inúteis.
É curioso como a qualidade de vida e a dignidade vistas pela modernidade levam invariavelmente à destruição e à morte.
manuelbras@portugalmail.pt
Etiquetas: Em Defesa da Vida, Manuel Brás, Saúde