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2008/08/29

Ler Burke 

Manuel Brás

Numa época em que o ateísmo militante, essa religião-política, tenta oprimir as convicções religiosas das pessoas, dos grupos e dos povos por via administrativa, vale a pena ler Edmund Burke, especialmente “Reflections on the Revolution in France”.

Como se vê, a investida do ateísmo/laicismo militante não é novidade: as movimentações são previsíveis.

O que está subjacente à retórica ateia/laicista é a ideia maquiavélica (oriunda de Maquiavel) de que em política o poder é o valor supremo. O poder sobre os outros, já se vê, pois o poder sobre nada não tem qualquer interesse. Assim, os laicos presumem que tudo o que existe na esfera do sensível e externa à consciência lhes é devida. Daí que considerem que pessoas e povos inteiros lhes são devedores da liberdade, de algum bem-estar, enfim, de tudo o que de bom existe, como se fossem eles a origem da providência: tudo o que os crentes têm devem a eles. E eles cobram a factura impedindo-os de publica e exteriormente professarem outra religião que não seja o ateísmo.

Burke, há mais de 200 anos, chamava a atenção para este logro, que antevia como pai do totalitarismo, mesmo que seja administrativo. E o administrativo até é o pior, porque mais subtil. Mais valia que fosse claro e aberto.

Está fora de questão que a política seja capaz de uma revelação religiosa transcendente do mundo – embora existam ideologias com pretensões religiosas a partir do mundo. Por outro lado, nem o Judaísmo, nem o Cristianismo, implicam uma ordem política ou temporal pré-estabelecida. Muitas têm sido as formas de governo e os regimes na civilização judaico-cristã.

O que Burke defende é o respeito que os actores políticos devem às convicções de pessoas, grupos e povos, sem quaisquer complexos, mesmo e sobretudo se têm relevância na vida social. Essas convicções não são objecto original da política, mas a política tem que as respeitar na ordem temporal, porque decorrem de um contrato anterior ao político-social: o contrato entre cada homem e a Transcendência.

Burke justifica este contrato prévio na capacidade de cada homem de, pela luz da sua própria razão, captar a lei natural, independentemente da sua instrução, estrato social, raça ou religião.

É este princípio de respeito pela lei natural, que cada homem pode descobrir, que garante a liberdade religiosa e a ordem social assente no respeito pelas convicções individuais, inclusivamente religiosas.

Não são, obviamente, os “iluminados” ateus.

Aqui está a diferença entre fazer política como se Deus existisse e fazer politica como se Deus não existisse.

manuelbras@portugalmail.pt

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