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2006/01/30

Memórias da minha Aldeia (10) 

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A primeira invasão francesa fora uma frustração para todos os milicianos do Centro, mas em particular para Feliciano. Esperavam-na pela fronteira de Almeida, chegou a rezar-se nas Igrejas para que Deus se dignasse encaminhar o Junot, ou outro, e seus maltrapilhos de botas rotas, por esse lado das Beiras.

Mas, afinal, os franceses foram dar essa honra e esse gosto à tropa e gentes do Vale do Tejo, margem direita, por onde chegaram a Lisboa que não lhes ofereceu resistência, mas antes acolhimento simpático, entusiasta e sobretudo humilhante para Portugal.

- Ah! Que os alfacinhas e os poderosos de lá mostraram-se à altura dos seus pergaminhos – oh! pergaminhos - de fracos, cobardes, traidores! – clamou Feliciano para os seus milicianos.

- Lembre-se, meu sargento – observou um deles – lembre-se que o Rei mandou não resistir ao invasor…

- O Rei mandou? Não acredito se não vir escrito por alguém de confiança, pelo próprio para mais confiança… E mesmo que o rei mandasse não resistir, se houvesse um levantamento popular contra os Franciús, o Rei vinha cá esmagá-lo?... Talvez. Ainda não devia ir muito longe, só tinha saído a Barra na véspera, vinte e quatro horas antes do Soult chegar!.,. Garanto-te que, se voltasse e o levantamento tivesse vencido, Sua Majestade era logo a aderir! E se o levantamento não vencesse, morríamos todos, era tarde para castigos, do Rei ou da Junta de Governo! Odeio esses jacobinos! Odeio-os de morte e de vergonha! Acima do Rei está Portugal, não está?...

Feliciano calou-se, subitamente vexado e triste de ter deixado a língua soltar-se-lhe, contra o próprio rei, na emoção do ódio ao francês e de paixão por Portugal mas não arrependido de odiar tanto e de amar ainda mais.

Depois, quando chegou de Lisboa a notícia de que Junot tinha assinado a rendição em Sintra e que atravessara a fronteira para Espanha, quase um ano após a entrada em Portugal, Feliciano encheu-se de orgulho patriótico pelas vitórias da Roliça e do Vimeiro, em 1808, e pelos levantamentos populares das Juntas Revolucionárias, contra o invasor, que as haviam precedido, um pouco por todo o Continente.

Mas quando, uns dias mais tarde, soube que os Franceses haviam sido autorizados a levar consigo todo o produto dos roubos feitos, os mais variados tesouros, obras de arte, peças de ouro, prata, pérolas, diamantes, jóias raríssimas, paramentos preciosos, imagens sagradas, mobiliário da Índia, porcelanas da China, Feliciano ficou de súbito incapaz de compreender.

Esteve assim bons vinte minutos, metido consigo só, sem falar nem ouvir ninguém.

- Ah! – exclamou por fim – foram eles, os malditos Ingleses! Compraram as vitórias sobre os Franceses, pagando-lhes com os nossos tesouros, para os Franceses atravessarem a Espanha autorizados por Espanhóis ávidos de dinheiro que os deixaram passar sem lhes descarregarem em cima uma bala que fosse! Pulhas dum caraças! Cabrões! Todos cabrões, minha gente!

E fugiu de junto dos milicianos para que não lhe vissem as lágrimas.

Tinha, entre eles, a fama do seu péssimo feitio, mas nesse momento não foram poucos os que também foram esconder as lágrimas de fúria e pudor ou de solidariedade com o seu sargento.

Passados meses, novamente a decepção frustraria os milicianos das Beiras, por as tropas de Soult terem entrado pelo Norte, através de Trás-os-Montes, até ao Porto. Mas os Portugueses e Ingleses chefiados pelo futuro Duque de Wellington rapidamente forçaram os Franceses a uma vergonhosa retirada. Apesar da frustração, voltaria em todo o caso a ser hora de orgulhoso patriotismo e de imoderado triunfalismo, toldado no entanto pela tristeza do desastre da Ponte das Barcas, com a morte por esmagamento na precipitação das fugas e por afogamento no Douro de milhares de fugitivos aos tiros dos Franceses.

Mas não perderam os milicianos do Centro a esperança de que voltasse a haver uma oportunidade para aquele Portugal ansioso de dar provas do seu destemor.

A haver nova invasão, não pode deixar de ser pelas Beiras… – confortavam-se eles, menos deprimidos.

E assim foi.

Em Agosto de 1810, soam trombetas por todos os aquartelamentos das Beiras: os Franceses tinham passado a fronteira em Almeida, cuja fortaleza fizeram explodir, e dirigiram-se para Coimbra, primeira suposição. Porque logo se soube que haviam afinal passado por Mangualde e perto de Viseu, seguindo ao longo do sopé oriental da serra do Caramulo e parecendo rumar ao Buçaco.

Os Ingleses e Portugueses, novamente sob o comando de Wellesley, pouco mais de um ano depois Duque de Wellington, haviam-se antecipado aí aos Franceses, ocupando posições vantajosas na Serra para o combate a que queriam forçar os Franceses.

O génio de Wellesley iria impor-se a Massena.

Será verdade que o plano do futuro Wellington foi amadurecido em Seia, nos dias em que teve o seu quartel-general instalado na Casa das Obras, donde terá partido directamente para o Buçaco?

Como se o Inglês seguisse Massena de perto para o surpreender na melhor oportunidade.

Enquanto isso, de novo voltava a crescer a frustração das milícias das Beiras, muitas das quais nem de longe viram passar as tropas de Massena, a que não puderam ter ocasião sequer de fazer a mais insignificante guerrilha.

Tudo indicava que, para elas, a última oportunidade se tinha, afinal, gorado.

António da Cruz Rodrigues (A.C.R.)

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