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2006/01/31

Memórias da minha Aldeia (11) 

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Não.

Apenas um temor, o temor de haverem perdido a última oportunidade. De facto não passava de um juízo precipitado, fruto da ansiedade em que viviam, a ansiedade de deixarem escapar os Franceses sem os terem enfrentado e deixando aos vindouros a desconfiança sobre o real valor e a real determinação com que os teriam perseguido.

Mas o destino oferecer-lhes-ia – às populações e milícias das Beiras – terríveis compensações, como não as poderiam ter imaginado.

No Buçaco, a 27 de Setembro de 1810, as tropas anglo-lusas, comandadas por Wellington, aguardavam os Franceses de Massena, e também Soult, decididas ao combate.

A batalha durou todo o dia, com forte envolvimento das Infantarias e Cavalarias de um lado e do outro e terríveis bombardeamentos mútuos de artilharia. Embora com decidida vantagem dos anglo-lusos, as perdas destes foram tão consideráveis que o Comandante-Chefe concluiu não dispor de forças para esmagar os Franceses e decidiu retirar para as famosas Linhas de Torres Vedras, construídas nos últimos dois anos, e que iam da costa, por alturas da Foz do Arelho, até ao Tejo, por alturas de Alverca.

Aí os Franceses, cujo objectivo era chegar a Lisboa, depois de terem saqueado Coimbra, ficaram completamente impedidos de prosseguir a sua marcha para o Sul pelos anglo-lusos, porque, não obstante a determinação, coragem e poder de fogo do seu exército, viram derrotados todos os seus assaltos às Linhas de Torres.

Perto de um ano depois de entrarem em Portugal por Almeida, não restava aos Franceses outra solução senão retirar para França, atravessando Espanha, ainda teoricamente sua aliada.

Para chegar a Espanha, fizeram-no pelo caminho mais curto e que julgavam mais desimpedido, o da Beira Interior, evitando Coimbra e com as suas forças em certa ordem dispersa, que facilitaria a deslocação e dificultaria os contra-ataques, calcularam.

Talvez não tenham ponderado o valor da guerrilha das populações, nem suspeitado da rapidez com que Wellington se lançaria em sua perseguição.

As notícias da retirada dos Franceses depressa se espalharam pela Beira Interior.

Uma das versões era que algumas forças francesas tinham apanhado em Penacova o curso do Mondego, a montante de Coimbra, e logo a seguir a estrada real da Beira – lançada no tempo de D. Maria I, em 1792 – atravessando os actuais concelhos de Vila Nova de Poiares, Arganil, Tábua, em direcção a Celorico e à Guarda.

Mas também diziam os horríveis mensageiros que, por onde os franceses passavam, a razia era total. Vingavam-se das derrotas sofridas contra poderosas forças de Portugueses e Ingleses, esmagando os fracos e indefesos moradores das casas e quintarolas isoladas nos campos ou ínfimas aldeias e destruindo ou pilhando os seus bens, até às últimas migalhas.

Tudo roubavam, comiam sôfregos, violavam os templos, torturavam sacerdotes, estupravam as mulheres diante dos homens, incendiavam quanto lhes apetecia incendiar, soltavam as águas das poças e açudes e não poupavam vidas portuguesas, à mínima suspeita ou pressentimento de perigo para a sua segurança, mas sobretudo por simples caprichos diabólicos e ódio cego.


Uma tarde chegaram notícias de acontecimentos dessa manhã e da véspera, em sucessivas aldeias cada vez mais perto. Várias aldeias muito próximas umas das outras e todas ricas, para cá da ponte da Felgueira, na zona entre o rio Mondego e o rio Seia, a chegar à ponte do Salto, começando na aldeia do Seixo da Beira e a acabar no Ervedal, tinham sido completamente saqueadas e as suas populações mortas e mutiladas, furiosamente, por hordas de Franceses jacobinos, como se fossem desalmados de todo e sem ponta de remorso ou ponta de piedade.

Essa noite, Feliciano convocou para a sua casa, na Folgosa, os homens mais representativos e de melhor conselho da aldeia e pediu a Ana Emília que entretivesse as mulheres deles na outra sala, porque estavam todas desvairadas, sozinhas em casa e nenhuma delas queria estar longe do seu homem.

Apesar da inquietação pelo perigo iminente que acreditavam ameaçá-los, uma estratégia foi definida, para impedir os grupos indisciplinados e desordenados de Franceses à solta de passarem o rio Seia para a margem esquerda, para tal estabelecendo sentinelas nas pontes do Salto, da Folgosa e de Santiago e assim resguardando as populações daquelas aldeias que julgavam mais ameaçadas, a Folgosa e Santa Comba.

Mal terminou a reunião em sua casa, o Capitão Feliciano foi ainda a Santa Comba transmitir aos milicianos da sua companhia, que o aguardavam havia mais de três horas, o plano de defesa daquele troço do rio e definir com o seu sargento da milícia as tarefas que caberiam a cada grupo de milicianos, com o seu cabo, e do apoio e protecção que teria de ser dado às populações a deslocar.

O entusiasmo de todos por não perderem a oportunidade que o destino lhes oferecia de derrotarem os Franceses, em fuga, mobilizava as melhores energias.

Muitos passaram a noite em claro e todos, milicianos e habitantes em geral das duas aldeias, se apresentaram nos postos e lugares que lhes haviam sido designados, muito antes do dia nascer.

A.C.R.

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