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2005/09/27

“O homem que passou”… 

“O homem que passou é aquele que desempenhou a sua missão, que a desempenhou bem ou mal; não importa, e já não pode desempenhar outra, nem prosseguir a que assumira. Se é orador, a sua palavra jamais será escutada; (…), se é político, as multidões não lhe obedecerão; e nunca mais o seu braço será procurado, nem o seu conselho pedido (…).

“O homem que passou é o homem que já não conta, o homem com quem o tempo não conta por lhe faltar a chama interior do entusiasmo, ou o favor da opinião, estas duas energias sem as quais não é possível realizar uma obra ou prosseguir um destino (…). O que até então fora louvado será diminuído, o que fez de bom será atribuído aos outros, e se lhe mantêm a autoria logo lhe desviam o objectivo; e onde houve o propósito de fazer por bem, logo dirão que fez por mal, onde houve o maior desinteresse, logo lhe assinalarão o maior proveito.

“O homem que passou é como o ano que passa. No momento mesmo em que corta a meta da eternidade, o ano que passou é mal querido e insultado. Começam a insultá-lo aqueles a quem não serviu, ainda que não tenha servido com razão; depois os indiferentes; e, atraídos ou sugestionados pelo clamor, até aqueles mesmo a quem encheu de benemerências (…). Aquele que não quer passar depois de ter passado, ainda ouvirá palmas, mas já não são palmas, são despedidas e não despedidas com saudades, mas com ironias. As palmas são para o tempo, para que seja contente e caminhe mais rápido, para que mais rápido o leve.”

Fim de citação.

Estas palavras foram transcritas e comentadas por Helena Matos, sob o título acima, no “Público” de sábado, e atribuídas ao Prof. Doutor Manuel Rodrigues, que, diz ela, era então Ministro da Justiça de Salazar.

Teriam vindo na primeira página do “Século” do último dia de 1938 e, informa também a jornalista Helena Matos, logo surgiram boatos de que “o homem que passou” só poderia ser Salazar, no governo havia dez anos como ministro das Finanças (1928) e seis como Presidente do Conselho (1932).

Helena Matos não deixa, no entanto, de lembrar que Salazar tinha então só 49 anos; que estava longe de ser um homem politicamente acabado; que o desfecho da guerra de Espanha e o agravar da crise na Europa (e, acrescento, a vitória sobre o défice em 1929) lhe davam já um invulgar protagonismo internacional (e nacional, acrescento); além de ser internamente inquestionada a sua liderança e de estar anunciado o lançamento de grandes projectos como a Exposição do Mundo Português.

Por mim, diria que os maiores triunfos da carreira de 40 anos de Salazar no Poder estavam ainda para vir: a vitória dos nacionalistas em Espanha (1939), a neutralidade portuguesa na Guerra Mundial (1939-45), o grande surto económico das décadas de 50 e 60, a entrada de Portugal na NATO e na EFTA, etc.

Mas Helena Matos prossegue depois o comentário ao texto à luz dos mesmos pretensos boatos, para poder aplicar as palavras de Manuel Rodrigues ao caso actual de Mário Soares.

É o que menos interessa.

O que eu queria esclarecer é outra coisa.

E se essas suas palavras as destinasse Manuel Rodrigues a si próprio e não a Salazar… ou Soares?

Explico: ele tinha caído ou estava em vésperas de cair em desgraça e deixar de ser ministro.

Veja-se como as palavras citadas as aplicaria nesse caso, com perfeito cabimento, à sua própria vivência.

Mais parecem palavras de quem sabe já que em breve vai ser despedido, como homem, portanto, que se sente já no seu papel de “homem que passou” e sofre as reacções à sua volta, pelo que impulsivamente quer lembrar com orgulho a sua obra e quer deixar o testemunho dessa lucidez e orgulho. Simultaneamente um testemunho de excepcional lucidez, um testamento e uma despedida. São como as palavras finais de orgulhosa rendição dos gladiadores condenados à morte na arena, perante a majestade do imperador que os condenou. “Ave César! Os que vão morrer saúdam-te!”

E exprimirão ainda, talvez, uma certa vingançazinha contra o Dr. Salazar, por razões mal conhecidas.

Mas, se assim fosse, bem mais subtil que a outra vingança imaginada pelos boateiros da nem por isso menos ilustre jornalista.

A.C.R.

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