2005/05/24
O mal-estar de certos economistas católicos “passadistas”, perante o sucesso da Universidade Católica
Conferência organizada pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), organismo da Igreja, sobre cidadania e desenvolvimento.
Passo à lupa o relato jornalístico da sessão de sábado.
Estamos muitíssimos de acordo em que se devem criar “condições efectivas para que todos possam exercer a sua cidadania, designadamente através da erradicação da pobreza”.
Outro orador explicou melhor, dizendo que “As nossas sociedades consagram o exercício dos direitos sem as condições necessárias” (para tal). E exemplificou que, se vivemos em sociedades livres, a verdade é que muitos cidadãos não têm condições para exercitar a sua liberdade. Atribui-se-lhes cidadania social mas sem os mais pobres terem acesso aos bens fundamentais, afirmou, não é possível que eles façam “o exercício da cidadania política”.
Aqui é que as coisas começam a encalhar.
Não há uma enumeração justa e intemporal de bens fundamentais.
Sobretudo, quem pode ter a prerrogativa de fixá-los, isto é, de limitá-los?
Ora, como na conferência também foi lembrado, a doutrina social da Igreja consagra “o princípio do destino universal dos bens”.
Se isto, como pode presumir-se, significa, para muitos dos presentes na conferência, o direito à reivindicação de todos os bens, por todos os cidadãos, compreende-se que não se fale de que tenha havido na sessão de sábado uma só crítica ao consumismo absoluto; nem uma alusão aos prejuízos que este possa trazer à qualidade do ambiente; nem uma pequena referência à ameaça de esgotamento de muitos dos bens em que se funda o nosso desenvolvimento.
Que espécie de controlo (indispensável e inevitável) vão estes problemas exigir às sociedades e aos Estados?
As soluções implícitas nas palavras dos principais oradores – há muito conhecidos pelas suas posições – parecem realmente “passadistas”.
Talvez apenas um deles tenha tentado vencer o círculo vicioso, falando da “importância de um paradigma cristão do desenvolvimento baseado no conhecimento”.
Baseado no conhecimento, certo.
Então porque caíram logo alguns intervenientes sobre o melhor estabelecimento da Igreja em matéria de conhecimento científico, a Universidade Católica Portuguesa, “pondo em questão que haja tantos economistas de tendência neoliberal a sair da Universidade Católica”?
“Está em causa o modelo de formação” (da UCP, entenda-se), concluiu um deles.
Porquê?
Porque o neoliberalismo económico não pode ser considerado um bom método de análise e de governo das realidades económicas?
Ou porque não pode nem deve constituir base para um “paradigma cristão do desenvolvimento fundado no conhecimento”, mesmo que apenas instrumentalmente económico?
Ou só porque o modelo económico neoliberal foi até agora o único modelo vencedor de todos os demais modelos, na luta por um desenvolvimento económico sustentado e, só por isso, menos injusto? ...
Julgo que apenas o seu optimismo ilimitado poderia verdadeiramente censurar-se ao modelo dos neoliberais.
Porque isso lhes tolda ou pode toldar o sentido dalgumas realidades emergentes.
Não vejo, porém, qualquer outro modelo melhor nem menos falível, ou menos sujeito a deixar-se inutilizar por preconceitos, sobretudo ideológicos.
Não tenho dúvidas de que um paradigma cristão de desenvolvimento baseado no conhecimento (económico) tem fatalmente de socorrer-se do modelo neoliberal.
Deixemos, pois, a UCP continuar a trabalhar, e bem.
António da Cruz Rodrigues (A.C.R.)
Passo à lupa o relato jornalístico da sessão de sábado.
Estamos muitíssimos de acordo em que se devem criar “condições efectivas para que todos possam exercer a sua cidadania, designadamente através da erradicação da pobreza”.
Outro orador explicou melhor, dizendo que “As nossas sociedades consagram o exercício dos direitos sem as condições necessárias” (para tal). E exemplificou que, se vivemos em sociedades livres, a verdade é que muitos cidadãos não têm condições para exercitar a sua liberdade. Atribui-se-lhes cidadania social mas sem os mais pobres terem acesso aos bens fundamentais, afirmou, não é possível que eles façam “o exercício da cidadania política”.
Aqui é que as coisas começam a encalhar.
Não há uma enumeração justa e intemporal de bens fundamentais.
Sobretudo, quem pode ter a prerrogativa de fixá-los, isto é, de limitá-los?
Ora, como na conferência também foi lembrado, a doutrina social da Igreja consagra “o princípio do destino universal dos bens”.
Se isto, como pode presumir-se, significa, para muitos dos presentes na conferência, o direito à reivindicação de todos os bens, por todos os cidadãos, compreende-se que não se fale de que tenha havido na sessão de sábado uma só crítica ao consumismo absoluto; nem uma alusão aos prejuízos que este possa trazer à qualidade do ambiente; nem uma pequena referência à ameaça de esgotamento de muitos dos bens em que se funda o nosso desenvolvimento.
Que espécie de controlo (indispensável e inevitável) vão estes problemas exigir às sociedades e aos Estados?
As soluções implícitas nas palavras dos principais oradores – há muito conhecidos pelas suas posições – parecem realmente “passadistas”.
Talvez apenas um deles tenha tentado vencer o círculo vicioso, falando da “importância de um paradigma cristão do desenvolvimento baseado no conhecimento”.
Baseado no conhecimento, certo.
Então porque caíram logo alguns intervenientes sobre o melhor estabelecimento da Igreja em matéria de conhecimento científico, a Universidade Católica Portuguesa, “pondo em questão que haja tantos economistas de tendência neoliberal a sair da Universidade Católica”?
“Está em causa o modelo de formação” (da UCP, entenda-se), concluiu um deles.
Porquê?
Porque o neoliberalismo económico não pode ser considerado um bom método de análise e de governo das realidades económicas?
Ou porque não pode nem deve constituir base para um “paradigma cristão do desenvolvimento fundado no conhecimento”, mesmo que apenas instrumentalmente económico?
Ou só porque o modelo económico neoliberal foi até agora o único modelo vencedor de todos os demais modelos, na luta por um desenvolvimento económico sustentado e, só por isso, menos injusto? ...
Julgo que apenas o seu optimismo ilimitado poderia verdadeiramente censurar-se ao modelo dos neoliberais.
Porque isso lhes tolda ou pode toldar o sentido dalgumas realidades emergentes.
Não vejo, porém, qualquer outro modelo melhor nem menos falível, ou menos sujeito a deixar-se inutilizar por preconceitos, sobretudo ideológicos.
Não tenho dúvidas de que um paradigma cristão de desenvolvimento baseado no conhecimento (económico) tem fatalmente de socorrer-se do modelo neoliberal.
Deixemos, pois, a UCP continuar a trabalhar, e bem.
António da Cruz Rodrigues (A.C.R.)