2005/01/11
Preparado o programa – dizem. Preparadas as listas da frente nacional ...
O Chefe chamou a atenção dos dezanove restantes membros do comité central, novamente reunido.
“Temos coisas muito sérias a tratar. E é absolutamente imperativo – exagerou – que as tratemos com toda a seriedade”…
(É um pleonasmo vivo, este chefe.)
“E quem são os cabeças de lista?” – perguntou de lá um, sem fazer caso do ar enfático do Chefe.
“Não há cabeças de lista. Não temos cabeças que cheguem. Pusemos os candidatos todos em perfeito pé de igualdade. Por ordem alfabética” – esclareceu a autoridade suprema da reunião.
Ponto final. Toda a gente pareceu ter percebido e sentir-se elucidada, sem ponta de dúvida, tão clara a explicação.
O Chefe sentiu-se de novo bem. Tinha entrado com o pé direito. Se não surgisse algum desmancha-prazeres, tudo iria correr pelo melhor. Mas nunca se pode estar completamente tranquilo. Isto de reuniões políticas, entre parceiros, cada vez mais se parecem com jogos de futebol, entre adversários bem renhidos, ou seja completamente imprevisíveis.
Eis, de facto, senão quando …
Sai de lá um inocente habitualmente calado, que jamais fora capaz de estragar uma festa.
Mas temos de concordar que a fn é um partido onde não faltam os militantes de personalidade inesperadamente forte, pelo menos desde que passou a pnr/fn.
O ansiado pacto de regime à Direita, para governar Portugal nos próximos quatro anos.
E não foi precisa intervenção presidencial.
Mas não percamos o fio ao relato. Voltando ao inocente …
O inocente começava a deambular mentalmente.
“Muito bem, cá vou … Mas não era disso que eu queria falar. Em todo o caso sempre falo. Não vá eu perder a ocasião … Desculpem. Tenho de voltar a concentrar-me. Perdi um bocado as rédeas ao pensamento …”
“Ó pá! – interrompeu outro maduro – Aqui não queremos rédeas ao pensamento! Já nos basta a comissão de censura que ali o camarada ontem se propunha introduzir no pnr/fn … Abrenúncio!”
O inocente nesse instante atirou um grito ao ar como se ressuscitasse, o indicador direito apontado à testa como se alguma coisa tivesse achado lá dentro.
“Eureka! Eureka! Eureka!”
“Obrigado camarada! – exclamou ele para o maduro - Foi você que disse pnr/fn? … Foi você que inventou essa? … É genial! Mas sabe que eu já tinha topado isso? … E há bocado, quando queria chamar a vossa atenção, era exactamente porque eu ouvi vozes. Você não ouviu? … Mas eu há bocado quando queria falar – mas perdi o fio à meada – era para perguntar-vos se alguém aqui tinha ouvido na sua cabeça uma voz a segredar-lhe fn/pnr – fn/pnr – fn/pnr … Eu ouvi assim, repetidamente … Como se fossem espíritos …”
“O que você está é chalado!” – respondeu o maduro de há pouco com desprezo – Ora vozes! Não nos faltava mais nada!”
O Chefe estava de acordo.
Aquilo não podia continuar.
Imperativo, deu indicações aos seguranças – que tinha contratado, com medo dos pretos - para porem o inocente na rua.
Foi preciso empurrá-lo. Mas ele resistia. Sem grande sucesso, mas quando passou a última porta ainda o ouviram gritar por três ou quatro vezes, completamente obcecado.
“Mas porque dizem que somos anti-Portugueses?”
“Mas porque dizem …”
“São espíritos infiltrados!”
“Por amor de Deus! Levem-me à bruxa!”
“Eu juro! Eu juro! Eu sou um Português à antiga. Sem mancha … sem mancha ... nem sombra …”
Ainda gemia e falava, já imperceptível, quando caíu à porta da rua, inconsciente. Chegou ao hospital mais próximo morto e bem morto.
“Foi a primeira vítima da frente pnr-fn” – segredaram os espíritos. Desta vez, o Chefe também ouviu as vozes deles. Estremeceu de pavor, sentindo-se impotente para esconjurá-los, sem dar em doido.
ACR
“Temos coisas muito sérias a tratar. E é absolutamente imperativo – exagerou – que as tratemos com toda a seriedade”…
(É um pleonasmo vivo, este chefe.)
“E quem são os cabeças de lista?” – perguntou de lá um, sem fazer caso do ar enfático do Chefe.
“Não há cabeças de lista. Não temos cabeças que cheguem. Pusemos os candidatos todos em perfeito pé de igualdade. Por ordem alfabética” – esclareceu a autoridade suprema da reunião.
Ponto final. Toda a gente pareceu ter percebido e sentir-se elucidada, sem ponta de dúvida, tão clara a explicação.
O Chefe sentiu-se de novo bem. Tinha entrado com o pé direito. Se não surgisse algum desmancha-prazeres, tudo iria correr pelo melhor. Mas nunca se pode estar completamente tranquilo. Isto de reuniões políticas, entre parceiros, cada vez mais se parecem com jogos de futebol, entre adversários bem renhidos, ou seja completamente imprevisíveis.
Eis, de facto, senão quando …
Sai de lá um inocente habitualmente calado, que jamais fora capaz de estragar uma festa.
Mas temos de concordar que a fn é um partido onde não faltam os militantes de personalidade inesperadamente forte, pelo menos desde que passou a pnr/fn.
O ansiado pacto de regime à Direita, para governar Portugal nos próximos quatro anos.
E não foi precisa intervenção presidencial.
Mas não percamos o fio ao relato. Voltando ao inocente …
O inocente começava a deambular mentalmente.
“Muito bem, cá vou … Mas não era disso que eu queria falar. Em todo o caso sempre falo. Não vá eu perder a ocasião … Desculpem. Tenho de voltar a concentrar-me. Perdi um bocado as rédeas ao pensamento …”
“Ó pá! – interrompeu outro maduro – Aqui não queremos rédeas ao pensamento! Já nos basta a comissão de censura que ali o camarada ontem se propunha introduzir no pnr/fn … Abrenúncio!”
O inocente nesse instante atirou um grito ao ar como se ressuscitasse, o indicador direito apontado à testa como se alguma coisa tivesse achado lá dentro.
“Eureka! Eureka! Eureka!”
“Obrigado camarada! – exclamou ele para o maduro - Foi você que disse pnr/fn? … Foi você que inventou essa? … É genial! Mas sabe que eu já tinha topado isso? … E há bocado, quando queria chamar a vossa atenção, era exactamente porque eu ouvi vozes. Você não ouviu? … Mas eu há bocado quando queria falar – mas perdi o fio à meada – era para perguntar-vos se alguém aqui tinha ouvido na sua cabeça uma voz a segredar-lhe fn/pnr – fn/pnr – fn/pnr … Eu ouvi assim, repetidamente … Como se fossem espíritos …”
“O que você está é chalado!” – respondeu o maduro de há pouco com desprezo – Ora vozes! Não nos faltava mais nada!”
O Chefe estava de acordo.
Aquilo não podia continuar.
Imperativo, deu indicações aos seguranças – que tinha contratado, com medo dos pretos - para porem o inocente na rua.
Foi preciso empurrá-lo. Mas ele resistia. Sem grande sucesso, mas quando passou a última porta ainda o ouviram gritar por três ou quatro vezes, completamente obcecado.
“Mas porque dizem que somos anti-Portugueses?”
“Mas porque dizem …”
“São espíritos infiltrados!”
“Por amor de Deus! Levem-me à bruxa!”
“Eu juro! Eu juro! Eu sou um Português à antiga. Sem mancha … sem mancha ... nem sombra …”
Ainda gemia e falava, já imperceptível, quando caíu à porta da rua, inconsciente. Chegou ao hospital mais próximo morto e bem morto.
“Foi a primeira vítima da frente pnr-fn” – segredaram os espíritos. Desta vez, o Chefe também ouviu as vozes deles. Estremeceu de pavor, sentindo-se impotente para esconjurá-los, sem dar em doido.
ACR
