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2004/01/28

A MATANÇA DOS INOCENTES II 

(continuação do post de 2004/01/27)




Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.

HERLÂNDER DUARTE


Doutrina Católica

Os Concílios de: Elvira, no ano 300, Ancira, em 314, Lérida, em 564, Braga, em 572, condenaram o aborto com severidade. SS o Papa Sisto V, pela Constituição “Effraenatum”, de 29 de Outubro de 1588, agravou as penas contra o aborto. SS o Papa Gregório XIV, debilitado, pela Constituição “Sedes Apostolica”, de 31 de Maio de 1591, graduou as penas, sem as eliminar, conforme a distinção, adoptada no Concílio de Worms, no ano de 869, entre feto inanimado, ou seja, sem alma, e animado, ou seja, com alma. SS o Papa Pio IX, com a Constituição “Apostolica Sedis”, de 21 de Outubro de 1869, extinguiu a distinção. SS o Papa Pio XI, pela Encíclica “Casti Connubii”, de 31 de Dezembro de 1930, sobre a moral matrimonial, confirmou a doutrina tradicional acerca do aborto.

A condenação do aborto pelo magistério pontifício tem-se ligado à rejeição da contracepção e à afirmação do sacramento vivo do matrimónio que estabelece uma santa e indissolúvel união entre homem e mulher e lhes dá a Graça de se amarem um ao outro santamente e de educarem cristamente os filhos.

SS o Papa Paulo VI, na Encíclica “Humanae vitae”, de 25 de Julho de 1968, essencialmente sobre a regulação dos nascimentos, apontou: “O amor conjugal exprime a sua verdadeira natureza e nobreza quando se considera na sua fonte suprema. O matrimónio... é uma instituição sapiente e providente do Criador, para realizar na humanidade o seu desígnio de amor. Mediante a devoção pessoal recíproca, que lhes é própria e exclusiva, os esposos tendem para a comunhão das pessoas, em vista a um aperfeiçoamento mútuo, para colaborarem com Deus na geração e educação de novas vidas”. E, depois: “Sem dúvida os filhos são o dom mais excelente do matrimónio e contribuem grandemente para o bem dos pais”.

SS o Papa João Paulo II, ao dirigir-se aos peregrinos reunidos na Praça de São Pedro, na audiência geral das quartas-feiras, em 22 de Agosto de 1984, comentando a Encíclica “Humanae vitae”, acrescentou: “O acto conjugal significa não apenas o amor mas a fecundidade potencial, não podendo, conse-quentemente, ser privado do seu pleno significado através de uma intervenção artificial. De outro modo deixaria de ser acto de amor. Haveria efectivamente união corporal mas esta não corresponderia à verdade e à dignidade das pessoas: comunio personarum (comunhão das pessoas)”.

A “cultura da morte” é denunciada pelo apóstolo da “cultura da vida”, SS o Papa João Paulo II, que, na Encíclica “Evangelium vitae”, publicada em 30 de Março de 1995, condena o aborto, a eutanásia, a contracepção, a procriação artificial, as manipulações e as destruições de embriões.

Aquela notável Encíclica declara que “o aborto directo”, isto é, querido como fim ou como meio, constitui sempre uma desordem moral grave, enquanto “assassínio deliberado de um ser humano inocente”. Nenhuma circunstância, mesmo em situações dramáticas e dolorosas, permite que qualquer lei possa alguma vez, “tornar lícito um acto que é intrinsecamente ilícito porque é contrário à lei de Deus”. É rejeitado o argumento segundo o qual o embrião não pode ser considerado uma vida de pessoa humana; um novo ser humano desenvolve-se desde a fecundação do óvulo.

SS o Papa João Paulo II apela aos profissionais de saúde para que se não transformem em “artifíces da morte”; os médicos devem “recusar participar na perpetração de uma injustiça”.

Aliás, o juramento de Hipócrates interdita o aborto.

A “cultura da vida” obriga a defender a fortaleza da família.

Em mensagem dirigida a milhares de fiéis que se concentraram em Castelgandolfo, SS o Papa João Paulo II, em 28 de Dezembro de 1997, definiu a família como “o fundamento e a salvaguarda de uma sociedade verdadeiramente livre e solidária” e declarou: “Penso nas ameaças à vida de tantas famílias, como, por exemplo, a miséria, o desemprego, a falta de casa, a mentalidade contrária ao dom da vida e favorável à sua eliminação, mediante o aborto, a eutanásia e o individualismo, que estão na origem de tanta solidão que afecta as sociedades de hoje”.

Deputados ditos católicos, em países tradicionalmente católicos, pretendem justificar-se com o totalitarismo da aritmética democrática e com declarações do seguinte teor: “A título pessoal eu adiro às determinações da minha Igreja. Enquanto encarregado do bem comum por delegação, sigo a opinião da maioria dos cidadãos”.

Os politicantes correntes deste jaez prevalecem na viciosa confusão entre opinião, circunstancial e interesseiro juízo sobre as aparências, e bem comum, “primeira e última lei da sociedade” (SS o Papa Leão XIII).

Bem comum é conceito de Doutrina, fundamental segundo São Tomás, recuperado como valor crucial do magistério da Igreja com SS o Papa Leão XIII; é o suporte comunitário das supremas aspirações da pessoa, daí a sua dignidade. Só há unidade moral se houver fim comum procurado conscientemente e como deliberado acto de vontade; esse fim é o bem comum que é princípio da união moral. A missão e os limites da autoridade humana encontram-se no bem comum que transcende e subordina a vontade dos indivíduos e a própria autoridade do Estado. A soma dos interesses e pressões abortistas não participa no bem comum, antes, é a sua negação.

SS o Papa Pio XI, na Encíclica “Casti Connubii”, acerca dos “meninos ainda encerrados no seio materno”, sentencia: “... se os governantes não só não defenderem esses inocentes, antes com suas leis e ordenações, os deixarem ou até os entregarem aos médicos ou a outras mãos que os matem: lembrem-se que Deus é juiz e vingador do sangue inocente que da terra brada ao céu”.

“Será desertor e traidor quem quer conceder a sua colaboração material, os seus serviços, os seus talentos, o seu auxílio ou o seu voto político a partidos ou a poderes que neguem Deus” (SS o Papa Pio XII, “Semanas Sociais”, em 18 de Julho de 1947).

SS o Papa Paulo VI, em Audiência de Fevereiro de 1976, condenava severamente “os que se deixam arregimentar em partidos políticos para obter vantagens pessoais... na esperança de melhores lugares. Cobardemente, permanecem surdos perante a consciência. Terão assim evitado o nome de Cristo”.

SS o Papa João Paulo II insurge-se contra o “relativismo ético” e interroga-se sobre os limites morais da sociedade democrática. Na Encíclica “Evan-gelium vitae”, lança a pergunta: “Quando uma maioria parlamentar ou social decreta a legitimidade da supressão da vida humana ainda não nascida, mesmo em certas condições, não será que ela toma uma decisão tirânica para com o ser humano mais fraco e sem defesa?” Interroga-se se os crimes contra a humanidade são legitimáveis por maiorias e, inequivocamente, qualifica de “tiranos” os Estados que legalizam o aborto e a eutanásia. Propõe ao Estado e à sociedade um exame de consciência.

Numa altura em que os politicantes propalam, como rendoso “marketing”, os “direitos humanos”, em aparente paradoxo, o “direito à vida” é, na prática, negado e violado, especialmente nos momentos mais significativos da existência que são o nascimento e a morte (SS o Papa João Paulo II).

Os desgraçados tempos que correm são de infidelidade às virtudes, hábitos de agir no sentido do bem, tempos de desonra vergonhosa e desconsiderante.


Criação de Deus

A fecundação é união de dois gâmetas em metazoários, ou seja, a união de duas células haploides; o núcleo e o citoplasma da célula reprodutora fusionam-se com os do outro gâmeta, resultando dessa fusão um zigoto, ou ovo, de que se origina outro e, assim, a segmentação. Embora se traduza em fenómenos aparentemente restritos, envolve real transmissão de vida.

A vida começa quando o óvulo é fecundado; surge um novo ser, embora dependente da mãe e a ela agregado, ser distinto de qualquer dos progenitores. O óvulo fecundado, tal como o embrião humano em desenvolvimento, não pode ser considerado como parte do corpo da mãe; até tem um código genético diferente. As alterações que decorrem entre a nidação, implantação no útero, e um adulto são de desenvolvimento, não de mudança de natureza. O pré-humano não existe. A conclusão neste sentido já chegou a Primeira Conferência Mundial sobre o Aborto, reunida em Washington, em Outubro de 1967; a divulgação dos resultados desta conferência foi reprimida.

A gestação, período que vai da fecundação ao parto, mobiliza na mulher imensas energias físicas, psicológicas e morais e coloca-a, naturalmente, na dependência do outro progenitor que, para essa assistência, deve ser solícito e prestável.

A inteligibilidade da vida humana não se cinge à inteligibilidade da própria matéria.

A vida humana não deve ser tratada como um descendente próximo de um hidrato de carbono, como a reminiscência de uma fotossíntese; não é simples resultado da fusão de matérias, não é, nem sobretudo, o produto da coalescência de macho e fêmea, é obra divina de criação. A concepção, génesis no sentido de tornar-se vida, é acto de criação de um novo homem, único e irrepetível.

A Criação não é um acto de Deus no passado, pois Deus cria para comunicar e fazer participar os seres criados na Sua perfeição; é obra contínua de amor divino. A alma não é gerada pelos pais (Carta de SS o Papa Anastácio II, em 496); é forma do corpo humano ao qual está essencialmente unida (Concílio de Viena de 1311-1312); é criada por Deus e infundida antes do parto (SS o Papa Inocêncio XI, em 1679); procede do imperfeito sensitivo (SS o Papa Leão XIII, em 1887). Na geração humana, a alma é criada directamente por Deus, “Criador em cada homem da alma espiritual e imortal” (SS o Papa Paulo VI), o que engrandece a intervenção dos progenitores de quem fica dependente a acção criadora; os pais colaboram, assim, com Deus, e devem ver nos filhos, não simples resultado de acção passada, mas esperança da perpetuidade. A inerência do acto procriador à união conjugal conforma-se à natureza integral do homem.

SS o Papa João Paulo II, ao receber os setecentos membros de um congresso internacional médico sobre “Diagnóstico pré-natal e tratamento cirúrgico das malformações congénitas”, que se reuniu no princípio de Dezembro de 1982, afirmou que “a medicina deve fazer tudo o que pode para diminuir as manifestações da doença”. Acrescentou: “Mas deve escrupulosamente evitar todo e qualquer tratamento que possa constituir uma forma larvar de aborto. Os que sofrem de anomalias, nem por isso, perdem as prerrogativas próprias de um ser humano”.

“Ego veni ut vitam habeant, et abundantius habeant” (Santo Evangelho segundo São João). Cristo veio para defender a vida na sua abundância; longe de Cristo, o homem assanha-se para a aviltar e destruir.

“Natus sun”. Cristo nasceu para ser Rei, a Sua realeza consiste em reconstituir a Verdade e é, essencialmente, a própria Verdade; cada um de nós nasce para dar testemunho da Verdade.

O tempo de gravidez devia imitar o Advento, período preparatório do Natal, devia ser também expectativa gozosa da vinda de uma criança.

Segundo Santo Agostinho, o pecado é o abandono de Deus por parte da criatura livre, centrada sobre si mesma. O pecado mortal é a acção livre e íntima pela qual a pessoa se opõe à vontade do Criador; a sua essência é a soberba do homem. O pecado é contra a ordem estabelecida por Deus e ofensa ao Seu amor paternal; torna impuro não só o indivíduo pecador, mas a comunidade que é co-responsável. A gravidade do pecado do aborto é, ainda, acrescida porque se obsta ao baptismo, sacramento pelo qual renascemos para a Graça de Deus, é pecado mortal.

Os que perpetram o aborto directo, crime cometido contra “seres humanos inocentes e sem defesa” (SS o Papa João Paulo II), são canonicamente condenados com a excomunhão “latae sententiae”; a excomunhão atinge todos aqueles sem os quais o aborto não seria executado.

Entre os sujeitos à excomunhão não podem deixar de ser incluídos os deputados, os membros do Governo e os outros políticos que, activa ou passivamente, consentem ou não contrariam a institucionalização e a prática do aborto.

Os excomungados são separados, como indignos, do Corpo da Igreja, a Qual espera e deseja a sua conversão.

Os fiéis podem ser úteis aos excomungados e a todos os outros que estão fora da Verdadeira Igreja, com avisos salutares, com orações e boas obras, suplicando a Deus que, pela Sua Misericórdia, lhes conceda a Graça de se converterem à Fé e de entrarem na comunhão dos Santos.

Aos abortistas contumazes aplica-se a Epístola de São Pedro, “Quarens quem devorat”, procurando alguém para devorar, a caracterizar o demónio.


Guerra justa

O aborto, etimologicamente privação do nascimento, não é parto prematuro, muito menos é o hipócrita eufemismo “interrupção voluntária da gravidez”; é deliberada e maliciosa expulsão do feto, ou melhor, do ser ainda não nascido, mas já criado, para lhe retirar a vida.

É irrecusável condenar o aborto, quer por respeito pela Natureza, pelo Direito e, ainda de forma mais relevante, pela Moral, quer, sobretudo, por caritativo dever e piedoso imperativo.

Mais do que contra os direitos do homem, o aborto é contra os direitos de Deus, contra a santidade do matrimónio e contra o bem comum.

Os mártires eram os que testemunhavam Cristo, depois, os que testemunhavam heróico apego à Fé cristã, os que morreram pela fidelidade a Cristo. O martírio é redentor.

Aos mártires pela Fé vem juntar-se uma miríade de novos sacrificados. O holocausto era o sacrifício em que se queimavam as vítimas, principalmente entre os judeus; o aborto é o novo holocausto, sacrifício de vítimas inocentes oferecidas à idolatria da concupiscência.

O aborto é a matança dos inocentes semelhante à mandada executar por Herodes, o liberal crapuloso. “Então Herodes, ao ver que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o seu território, da idade de dois anos para baixo, conforme o tempo que, diligentemente, tinha inquirido dos magos” (do Santo Evangelho segundo São Mateus).

Estes Santos inocentes coetâneos do Menino Jesus acusam-nos.

Geena, vale ao sul de Jerusalém, tornou-se maldito devido aos sacrifícios humanos que lá eram oferecidos ao deus Moloch. O rei Josias, para evitar sacrifícios das crianças, com o apoio de Jeremias, armou-se destruidor da idolatria e dos santuários idólatras erigidos pelo decadente Manassés que construiu altares para as divindades pagãs e sacrificou o próprio filho a Moloch. Geena, que significa castigo eterno dos ímpios, é o novo vale das clínicas e dos hospitais abortadeiros.

Os fiéis são obrigados a agir. E, para agir, importa tomar consciência íntima e intimante. A consciência começa por ser conhecimento pessoal de nós próprios; depois, é sentido de dever e testemunho. A consciência moral é o sentimento de dependência e de comunhão com a Moral e expressa-se no juízo que se faz da conformidade de um acto com o bem. Para o católico, a consciência moral será, particularmente, o firme e constante propósito de seguir Nosso Senhor Jesus Cristo e será o sentimento de comunhão com Deus.

São Tomás, em “Summa Theologica”, acabada concepção cristã do homem, ensina: “se suportar injúrias que apenas nos atingem a nós próprios constitui um acto virtuoso, suportar aquelas que atingem Deus é o cúmulo da impiedade”. O aborto é uma injúria que atinge Deus.

D. Paul Delatte (1848-1937), beneditino, abade de Solesme denunciava: “O mal só se manifesta na medida em que lhe são dadas oportunidades. O trabalho satânico, que tende para a destruição da ordem e da vida, é limitado por uma parte de bem, de ordem, de harmonia que ainda existe... É evidente que no dia em que esse poder de ordem e de paz, que das mãos da Roma pagã, passou para a Roma cristã, depois de ter sido lentamente minado pelos legistas, sacudido pela pretensa Reforma e pela Revolução, tiver sido definitivamente arruinado pelo assalto do mal desencadeado, ficarão abertos os caminhos e livres as saídas para o mal. Já nada o deterá”.

Segundo São Pio X, os pretensos “bons”, devido à sua preguiça e à sua fraqueza, constituem, mais do que quaisquer outros, o nervo do reino de Satanás.

A tolerância permite legitimar os vícios alheios e os próprios; a tolerância constitui uma enorme heresia social que tem produzido muitos males e mais fará à medida que se vulgarizar. À tolerância devemos sobrepor a honra que é a virtude do cumprimento das virtudes, vivências do bem, energias que harmonizam o ser com o dever ser.

A imutabilidade das exigências cristãs funda-se nos princípios, origens sem dependências, da Doutrina que emerge da lei natural, da revelação do Antigo e do Novo Testamento e do magistério da Santa Igreja entendido como ensino, orientação e tradição viva. A esta luz, o aborto foi sempre e continuará a ser condenado.

Contra os ataques que estão sempre a ressurgir da utopia malsã, da revolta e da impiedade, impõe-se “omnia instaurare in Christo” (São Pio X, em Carta sobre “Le Sillon”).

Contra a idolatria abortista devemos reclamar um rei Josias.

Especialmente os autênticos Portugueses, pois que Portugal tem como padroeira Nossa Senhora da Conceição, têm que travar o bom combate, com viva coragem, firme determinação, sem aturar a derrota, contra o aborto; essa luta enquadra-se perfeitamente no conceito de guerra justa, legitimada por Santo Agostinho quando se trata de defender inocentes contra agressões.

(Janeiro de 1998)

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