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2004/01/27

A MATANÇA DOS INOCENTES I 

Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.

HERLÂNDER DUARTE

Docente do Ensino Superior. Autor de obras e conferencista sobre Bem-Comum na perspectiva da Doutrina Tradicional da Igreja. Auditor de Cursos de Defesa. Colaborador de Enciclopédias Verbo. Vice-Presidente do Círculo de Estudos Sociais Vector.


A desordem subsequente à amotinação de 25 de Abril de 1974 alvoroçou um movimento para banir o que, no estilo da verborreia corrente, os desaustinados abortistas designavam “leis repressivas do aborto”. A generalidade dos meios de desinformação, imprensa, rádio, televisão, propagandearam e fundamentaram o movimento que, a breve trecho, passou a exigir “o aborto livre e gratuito”. O jornal “O Dia” foi um dos poucos resistentes e deu uma projecção condigna à doutrina da Igreja Católica e às intervenções da Hierarquia e acolheu, com o devido relevo, textos de denúncia da perversidade da onda abortista produzidos por associações católicas; a acção do redactor Adelino Alves foi notável. Entre as associações católicas, foram particularmente firmes e activas: o Movimento Amor e Vida, o Centro Cultural Reconquista e o Círculo de Estudos Sociais Vector.


Lei do aborto

A primeira tentativa frustrada de legalização do aborto, em Portugal, ocorreu, em 1979, com uma proposta de revisão do Código Penal enviada à Assembleia da República pelo Governo Mota Pinto. A segunda ocorreu um ano depois através de um projecto do partido comunista albanês União Democrática Popular.

O Partido Comunista apresentou um projecto, em 1982, que não logrou aprovação parlamentar. Na edição de 16 de Novembro daquele ano, o jornal do Vaticano, “Osservatore Romano”, manifestou “satisfação pelo facto de o Parlamento português ter rejeitado a proposta comunista de despenalização do aborto”. E concluiu: “Esperamos que Portugal confirme no futuro a prova de firme coerência que acaba de oferecer ao mundo e que os outros países e outras comunidades cristãs saibam ler e compreender esta lição”.

Em Nota Pastoral, datada de 5 de Janeiro de 1984, a propósito das renovadas investidas para a legalização do aborto e da propaganda que a promovia, veio o Episcopado Português, com solicitude, denunciar a falsidade científica, social e moral das razões aduzidas pelos abortistas, propor aos católicos a desobediência à lei do aborto, apontar que os que praticam ou colaboram no aborto incorrem em pena de excomunhão.

Se o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro, na homília que proferiu na Sé Patriarcal, em 22 de Janeiro de 1984, na celebração de São Vicente, padroeiro de Lisboa, declarou: “Todo o aborto deliberadamente procurado é um atentado de morte contra a vida de um ser humano inocente e indefeso e a lei que o permitir será, por natureza, uma lei iníqua à qual os cristãos têm o dever de opor resistência activa” e propôs: “um movimento de opinião pública que venha a exigir a abolição da mesma lei e não dar o voto em futuros actos eleitorais às pessoas e aos partidos que a aprovaram”,

Em 27 de Janeiro de 1984, por iniciativa do Partido Socialista, foi aprovada, na generalidade, no Parlamento, a lei do aborto, hipocritamente chamada “lei da despenalização do aborto”.

Nota do Conselho Permanente do Episcopado Português, de 31 de Janeiro, chamava a atenção: “O projecto aprovado... só permite o aborto em determinadas circunstâncias. Mas essas circunstâncias, além de falaciosas, como nomeadamente a Ordem dos Médicos salientou, representam uma porta largamente escancarada por onde passam todas as demais. A experiência está feita noutros países...”.

Depois do texto legislativo, aprovado na generalidade, ter passado por comissão parlamentar da especialidade, foi a lei do aborto aprovada na Assembleia da República, em 14 de Fevereiro, tendo 132 votos a favor e 102 contra.

O Presidente da República, General Ramalho Eanes, em 24 de Fevereiro, enviou a lei ao Tribunal Constitucional para efeitos da fiscalização preventiva da constitucionalidade; o Tribunal Constitucional votou favoravelmente em 14 de Março, com 8 votos a favor e 5 contra.

O Presidente da República, podendo vetar a lei, afinal, promulga-la-ia no mês seguinte, justificando-se com a “preocupação comprovada de evitar problemas à coligação”, com o facto de a questão ter sido “incorrectamente colocada ao País e indevidamente empolada”, descarregando ainda a responsabilidade para um referendo inexistente. Pilatos também teria decidido assim.

Os elogios e as esperanças do “Osservatore Romano”, de 16 de Novembro de 1982, foram baldados; o órgão do Vaticano precipitou-se acerca da avaliação do que era capaz de fazer quem capturou o poder em Portugal.

Entretanto, em 5 de Março de 1984, na ressaca da aprovação da lei do aborto no Parlamento, o Primeiro-Ministro português, Dr. Mário Soares, Secretário-Geral do partido abortista, foi recebido, na Santa Sé, por SS o Papa; dias antes, o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro, e o Bispo de Aveiro, D. Manuel Trindade, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, em audiência privada, informaram SS o Papa sobre a legislação do aborto em Portugal.

Os católicos portugueses ficaram confundidos com a visita ao Santo Padre de um dos principais responsáveis pela lei do aborto. O facto de o comunicado da sala de imprensa do Vaticano, após o encontro, reafirmar a inabalável doutrina da Igreja sobre a ilicitude do aborto voluntário e directo, não dissipou completamente a confusão instalada na Nação Fidelíssima.

Conjecturou-se que a audiência tinha sido engendrada com intervenção de Bettino Craxi, então poderoso Primeiro-Ministro italiano, hoje foragido da justiça, chegado camarada do Dr. Mário Soares, numa trapaça para insinuar a condescendência do Santo Padre.

Especulou-se com a laica justificação de que se tratou de o Chefe de Estado do Vaticano receber o Primeiro-Ministro de um País com que estão esta-belecidas relações diplomáticas. Simplesmente, SS o Papa é Chefe de Estado porque é Chefe da Santa Igreja, Sucessor de São Pedro na cadeira de Roma; aquela condição a esta transcendente responsabilidade se deve ordenar. A pretensa justificação revelava-se incoerente.

Os fervorosos católicos portugueses conformaram-se na sua fidelidade ao Sumo Pontífice, ao Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo na terra. Todo o católico deve reconhecer SS o Papa como Pai, Pastor e Mestre Universal e estar unido a ele de espírito e coração.

Como a Nota do Episcopado de 31 de Janeiro de 1984 previa, a porta escancarada então está franqueada ao recrudescimento das investidas para a liberalização, dir-se-ia a promoção, do aborto.

O Partido Socialista, abortista, está no poder com os votos dos portugueses que, alienados pela desinformação perversa e embalados pelas promessas de gozo e bem-estar, não atentaram minimamente na autoridade da proposta de D. António Ribeiro lançada no dia de São Vicente de 1984.


Depravação

Foi desencadeado o ataque satânico à família, comunidade cardeal, imposição natural, unidade de consciência moral, primordial instância da prossecução do bem comum, e ao escrínio da família, a mulher, a quem o homem deverá entregar-se, amar, seguir e morrer por ela (Santo Evangelho segundo São Mateus, Epístola de São Paulo aos efésios).

Piccolo Tigre, pseudónimo de agente da Alta Venda, loja maior do Carbonismo italiano, em carta datada de 18 de Janeiro de 1822: “Quando tiverdes insinuado nalgumas almas um aborrecimento pela família e pela religião (geralmente um segue-se ao outro), deixai cair algumas palavras que lhes provocarão o desejo de se filiarem na loja mais próxima. A vaidade que o cidadão e o burguês têm de se enfeudarem à franco-maçonaria tem qualquer coisa de tão universal que fico sempre em êxtase com a estupidez humana”.

O poeta judeu alemão Heinrich Heine, muito celebrado, autor da famigerada “ditadura do proletariado”, com estátuas em Nova Iorque capitalista e em Moscovo bolchevista, que, em meados do século passado, dizia odiar a cruz, incitava: “Para matar a Igreja não há como tomar as crianças e corromper a mulher”.

No Congresso maçónico-feminista de 1900 foi proclamado: “É-nos necessária uma coeducação dos sexos. Queremos a união livre no amor jovem e são. O casamento poderá ser suprimido sem inconvenientes. Liberdade absoluta de aborto... etc.”.

No Congresso comunista de 16 de Novembro de 1922 foi determinado: “É preciso suprimir (na mulher) o sentimento instintivo e egoísta do amor materno... A mulher não passa de uma cadela, duma fêmea, se gostar dos seus filhos”.

O historiador inglês Nesta H. Webster, autor da obra “Secret Societies and subversive movements”, escrevia, no fim do século XIX: “A revolução desejada pelos chefes é moral e espiritual, consiste numa anarquia de ideias em que todas as bases desde há dezanove séculos sejam derrubadas, em que sejam espezinhadas todas as tradições até então honradas e onde, acima de tudo, a ideia cristã desapareça finalmente”.

A decadência destrói o pudor, sentimento vivencial, força intrínseca defensora da interioridade; segundo São Tomás, o pudor é integrante da virtude da temperança, é sentimento instintivo defensor das fontes da vida e prepara o comportamento moral.

O despudor hedonista, a ânsia materialista, o desaforo consumista, degeneraram a Civilização cristã que se tornou ociosa, gulosa, balofa; a adopção do filho espúrio que é o existencialismo ateu, da negação de Deus faz decorrer a concepção de que o homem livre assume responsabilidade da sua própria existência e as suas opções são amorais.

A arvorada liberdade de praticar o aborto é a liberdade orgiástica.

Liberalismo é a presunçosa crença de o indivíduo ser capaz de se satisfazer a si mesmo, encontrando em si mesmo o seu destino e a sua lei. Teve como antecedente o libertinismo elitista e mundano; os libertinos “libertavam-se” de Deus, da religião, da moral. O liberalismo massificou o libertinismo.

Grave desordem resulta de a liberdade ser considerada uma virtude quando é um dom; consiste no direito de cada qual escolher a sua própria via de personificação; a sua bondade, como a de qualquer dom, depende do uso que se lhe dá. Liberdade é “vis electiva meliorum servato ordine finis” o que denota a faculdade de escolher os meios para alcançar convenientemente o verdadeiro fim que é o bem. Sobretudo, a liberdade autêntica é o reconhecimento da acção ordenada ao Criador.

Impera a máxima epicurista “carpamus dulcia” que é instigação a que gozemos a vida. Para o epicurismo, o viver feliz é que dita a norma; os sentidos constituem o critério da verdade moral individualista e hedonista; o prazer é “começo e fim da existência feliz”.

SS o Papa João Paulo II denuncia “a despersonalização e a exploração” da sexualidade.

O erotismo pretende o sexo como motivo de arte, impingida sublimação do líbido que, na desaustinada tara freudiana, é totalitarizado impulso de vida. Modernamente, o erotismo, arvorado em valor cultural, é comercializado chorudamente às abas da cultura. Por ter uma suposta função estética e narrativa distinguir-se-ia da pornografia, exibição da actividade dos prostíbulos, venda do corpo e do sexo. A pornografia seria venalidade, o erotismo seria cultura; mas, o que acontece é que o erotismo, além de vender o corpo e o sexo, venaliza a cultura. O erotismo libidinoso, profusamente ostentado pelo cinema e pela televisão, é pornografia, leva à dissolução dos costumes, ao relaxamento moral, à impudícia, ao desamor, à crueldade.

Na enxurrada da depravação é lançada, agora, nos Estados Unidos da América “uma nova forma de subcultura sexual”, designada “polylove”, ou “polyamory”, que pretende promover a poligamia de ambos os sexos como “o modelo de família” do século XXI.

A contracepção é propagandeada e diligentemente subsidiada.

Thomas Robert Malthus, pastor protestante inglês, liberal pessimista, obstinado na redução da natalidade propunha, dois séculos atrás, o “constrangimento moral” dos instintos, como casamento tardio e limitação moral do número de filhos para os casados. Os neomalthusianos abandonaram os limites morais do pensamento de Malthus, passaram a preconizar meios anticoncepcionais e, a seguir, o aborto.

O eugenismo está implantado e institucionalizado. Eugenismo, a vaidade de reduzir o número de deficientes e limitados e de aumentar o dos “standarized” bem dotados, leva, por um lado, à esterilização, como a recentemente denunciada nos países nórdicos que muito se têm promovido com a “defesa dos direitos humanos”, ao aborto e à eutanásia, mortes apresentadas como necessárias e que se tornam descaradamente convenientes, e leva, por outro lado, à fecundação artificial caprichosa, à engenharia genética, à clonagem.

O Estado legítimo foi substituído pelo apregoado Estado de Direito, sem referenciais de Moral, em que a autoridade, em crise, se degrada no sofisma da opinião pública, se vicia no ardil de persuadir e se demite de prosseguir o bem comum.

Madre Teresa de Calecute, que visitou Madrid em Maio de 1983, declarou a um jornalista: “Nos países pobres nunca vi em toda a minha vida uma mãe a matar o seu filho. Existe muita pobreza material, mas amam-se os não nascidos. Nos países ricos, em troca, vi morrer gente na solidão, existem muitos suicídios, há fome de amor e nota-se o sentimento de não ser desejado”. Proclamou: “o aborto é um crime. Não os matem. Dai-mos a mim que eu trato deles!”

(continua num próximo post)

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