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2003/09/11

História ocultada 

Com a devida vénia, pela sua importância para avivar/reavivar memórias, transcrevemos do “Público” de 31 de Agosto último, o artigo seguinte do Senhor GENERAL RICARDO DURÃO.


Há situações limite de que pode resultar a não integração na cadeia de comando ou a demissão, assumindo-se a respectiva responsabilidade.

Ricardo Durão

Estabeleceu-se uma enorme polémica, quando do funeral do tenente-coronel Maggiolo Gouveia, a propósito das honras militares que lhe eram devidas. Sem dúvida tratava-se de um tenente-coronel português de pleno direito, cuja situação militar foi sucessivamente clarificada por despachos, de quem tinha competência e legitimidade, desde o general Costa Gomes até aos últimos ministros da Defesa Rui Pena e Paulo Portas.
Tudo foi preparado cuidadosamente, sem nenhuma provocação, de forma digna e igual a qualquer funeral de um tenente-coronel. Tratava-se de uma satisfação à respectiva família, que sabe agora onde está sepultado um ente querido que morreu em circunstâncias trágicas, tendo sido assassinado algures no fim do mundo e que se encontrava numa vala comum.
A este respeito surgiram intervenções sectárias, insultuosas, impregnadas de complexos, objectivos políticos, e até algumas de falta de humanidade.

MÁRIO MESQUITA

Confesso que não o entendo. Na generalidade, disserta sobre disciplina e quase vai ao ponto de considerar uma disciplina de direita e uma disciplina de esquerda. Refere fidelidade institucional e integração na cadeia de comando. Era preferível que em vez de fidelidade aludisse a lealdade. Com um bocadinho de esforço ainda cairia em considerar como disciplina no redutor conceito de “obedecer cegamente”.
Disciplina é o cimento que consolida a coesão de um corpo ou equipa, mas há que existir um chefe de onde emanam as ordens legítimas que não podem ferir a dignidade, a inteireza de carácter, as mais profundas convicções e concorram para a manutenção de valores superiores da equipa ou da instituição que servimos, do povo, da nação e da pátria. Como tal, há situações limite de que pode resultar a não integração na cadeia de comando ou a demissão, assumindo-se a respectiva responsabilidade.
Mário Mesquita, cuidado com o seu conceito de disciplina. A sua dissertação pode levar a que os inimigos do 25 de Abril de 1974 venham a considerar como indisciplinados os militares que se excluíram da cadeia de comando. Mantendo-se integrados na cadeia de comando, não teria havido 25 de Abril. Também os revolucionários do “Verão quente” poderão emitir a mesma opinião acerca dos democratas de 25 de Novembro de 1975; não colhe a defesa de que estes se mantiveram na cadeia de comando legítima, porque sabe bem o que aconteceria, se porventura o general Costa Gomes não os acompanhasse. A outro nível, Otelo foi substituído por Vasco Lourenço...
Parece considerar muito grave o combate anticomunista. Então Mário Soares, Salgado Zenha e muitos mais cometeram esse crime? O que se passou na Alameda D. Afonso Henriques foi assim tão abominável?
Cito Melo Antunes: “Fui acusado de estar a cortar as pernas à possibilidade do desenvolvimento de uma sociedade socialista, tal como eles a imaginavam, e eu disse publicamente: ‘Pois estou! É exactamente para isso que eu estou aqui, é para impedir o avanço nessa direcção... Revoltei-me contra o caminho que as coisas estavam a tomar, isto é, levar Portugal a tornar-se um país cada vez mais próximo do modelo soviético...’ Sou acusado e outros de sermos uns contra-revolucionários que impediram que as ideias comunistas e o PC impusessem os seus valores...”
Aqui está mais um indisciplinado ou traidor?
Paz à sua alma, era um homem de carácter, o seu funeral foi com as honras devidas a um tenente-coronel, com a presença de elevadas entidades do Estado e nem por isso foram honras nacionais.
“Fidelidade institucional e integração na cadeia de comando”? qual a instituição e qual a cadeia de comando? Esqueceu-se do que se passava em Portugal no período em causa?
Um MFA degenerado pela acção de elevada quantidade de medíocres, oportunistas sem carácter, à mercê de uma descarada manipulação e à imagem do seu ídolo grotesco e festivo que não dava ordens; se alguma vez as dava, não eram cumpridas, adaptando-se alegremente e com entusiasmo às circunstâncias consequentes. Um caos que inviabilizava qualquer espécie de disciplina e cadeia de comando. Felizmente que ainda restaram alguns democratas e o povo tomou consciência, gerando um processo de rejeição que tornou possível pôr termo àquele “bagunça”, resistindo e vencendo em 25 de Novembro de 1975, permitindo que prosseguisse o projecto de Abril.

ANA GOMES

Na sua intervenção revela ter acreditado piamente na sua fonte de informação. As atitudes de Maggiolo não foram de modo nenhum a origem da invasão de Timor pela Indonésia. Com Maggiolo Gouveia ou sem ele haveria sempre uma guerra civil em Timor. Do mesmo modo e por razões idênticas também houve uma guerra civil em Angola. Até aqui, longe de Timor, se sabia que, se a Fretilin tomasse o poder, como o fez, declarando a independência unilateralmente, a Indonésia não o toleraria, face à ideologia marxista-leninista proclamada.
O tenente-coronel Maggiolo Gouveia, em Timor, melhor o sabia e foi contra isso que desesperadamente lutou. Não o podia fazer integrado na tal “cadeia de comando”, que há longo tempo vinha cumprindo a estratégia do degenerado MFA, infiltrado e manipulado, que consistia na relação privilegiada com a Fretilin. O mesmo se passou noutros territórios relativamente ao MPLA, Fretilimo, PAIGC, etc.
Participei em discussões com elementos da “virose” que causou a degeneração do MFA e foi-se expressamente declarado que só havia duas soluções; a independência de Timor sob a égide da Fretilin ou a integração na Indonésia. Ligação a Portugal é que nunca.
Maggiolo Gouveia até estava bem informado do que se passava na metrópole; só que, em Timor, não havia a Alameda D. Afonso Henriques. Daí as suas referências ao PS que estava em Lisboa num combate anticomunista com possibilidades de êxito.
Quem são os traidores? Maggiolo Gouveia? Os revolucionaristas de Lisboa? Os que criaram as condições que obrigaram à fuga para Atauro?
Ana Gomes fala do consenso nacional: não percebeu o que se passou? Foi uma catarse colectiva, ou seja, uma “reacção de libertação de um recalcamento, trauma ou de um conflito mal resolvido”. Para o comum das pessoas, um peso na consciência colectiva.

MARI ALKATIRI E XANANA GUSMÃO

Para além da intolerável intromissão da forma como decorreu, em Portugal, o funeral de um militar português, deviam-se apenas cingir à narração da sua versão sobre os acontecimentos em Timor.
Registam-se as contradições que confirmam o que já sabíamos: a responsabilidade da Fretilin no martírio e assassinato de Maggiolo Gouveia.
É natural que venham em defesa da Fretilin. Só que a Fretilin agora já foi reciclada relativamente à sua origem e beneficiou do desenrolar dos acontecimentos, dado que veio a congregar o ancestral sentimento, quase geral, do povo de Timor relativamente à Indonésia, tendo como resultado o seu expressivo desenvolvimento.
Porém, acabou, na resistência, por se aliar à “maldita” UDT, constituindo-se o CNRT. As suas versões podem constar na História de Timor, mas não na História de Portugal.

MÁRIO TOMÉ

Tem uma intervenção que não causa surpresa. Todos os militares que apoiaram a unicidade sindical, a institucionalização do MFA e o Pacto MFA-Partidos são traidores do 25 de Abril. Conseguiram até estabelecer uma tremenda confusão entre uma acção militar meritória em 25 de Abril e o período lamentável que se lhe seguiu. Desta confusão resultou que todos são de Abril, até as FP25, para não irmos mais longe; o facto de se proclamar tanto de Abril obriga-me, fique bem esclarecido, que, face a tamanha “caldeirada”, não sou de Abril, prefiro Novembro.
A dita revolução revelou um sentimento totalitário militarista, porque militarismo é o “predomínio”, directo ou indirecto, dos militares no governo de um país”. A democracia portuguesa levou oito anos a institucionalizar-se. Só em 1982 é que foi erradicado o Conselho da Revolução. O meu posto é general, mas sou antimilitarista.
Não quero alargar-me acerca do termo desertor, dado o mau gosto revelado pelo Bloco de Esquerda, que pretende honras de Estado para todos os desertores.
Na guerra de África os portugueses escreveram uma das maiores epopeias da nossa História. Um milhão de portugueses resistiram durante 13 anos e combateram por um imperativo histórico, mobilizando-se face a uma bárbara e monstruosa chacina em 15 de Março de 1961, no Norte de Angola. Mário Tomé até faz parte dessa milhão e cometeu o “crime” de não desertar. Os desertores foram uma percentagem ínfima, e, se alguns o foram por consciência, a grande maioria foram-no por comodidade ou covardia.
De notar que Manuel Alegre, que é um patriota, numa mesa-redonda na televisão, entre diversos desertores, esclareceu que não era um desertor. Declarou que não se podia eximir ao sacrifício da sua geração, apesar do que lhe ia na consciência. Continuou a ser perseguido pela PIDE e, para não ser preso, teve que se evadir.
Portugal é muito mais do que salazarismo e abrilismo. Cito Afonso Costa: “Portugal não é um pequeno país. Os que sustentam isso esquecem as províncias ultramarinas que fazem com o território metropolitano um todo uno e indivisível.”
Acerca do seu conceito de descolonização “especial de corrida”, volto a citar Melo Antunes: “Assumo a responsabilidade de certos erros que foram cometidos; a descolonização foi uma tragédia, foi das coisas mais difíceis, mais dramáticas e trágicas que aconteceram em Portugal. Esses erros poderão eventualmente estar na origem de situações que mais tarde foram extremamente danosas para os novos países independentes... Há quem afirme que a descolonização foi aquela que era possível. Acho que não foi assim...”
Fique lá com os seus companheiros revolucionários ditos “democratas” e, a propósito, cito Fernando Rosas: “ O PC terá pensado quanta razão nós tínhamos em não querer que as eleições se dessem, porque obviamente, as eleições instalam imediatamente uma contralegitimidade e uma contralegitimidade fortíssima que é a das urnas”. Está bem acompanhado.
O tenente-coronel Maggiolo Gouveia já era um herói antes de estar em Timor. Lá, foi martirizado perante a passividade do comando militar português, sendo um dos seus algozes um oficial miliciano do Exército português, Rogério Lobato, natural de Timor e actual ministro do Interior do Governo de Timor. Posteriormente é sumariamente fuzilado e perante a morte em nada contradisse a sua estatura de herói. Constituir-se-á num símbolo, libelo acusatório de uma das maiores vergonhas da nossa História.

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