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2004/01/30

NENHUM FETO É VIÁVEL 




Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.

HUGO DE AZEVEDO


A Ordem dos Médicos, pela voz do seu bastonário, declarou-se favorável, não só ao alargamento do prazo legal do aborto, mas também, genericamente, à livre interrupção da gravidez em casos provados de inviabilidade do feto. Mais ainda, considerou que o problema ético, em tais casos, se deve colocar ao contrário: será lícito, em tais circunstâncias, não a interromper?

Em que princípios éticos se baseiam estas afirmações? Não faço a menor ideia. O critério fundamental da moralidade do acto médico é o da defesa da vida humana, e realmente seria de esperar que a Ordem o assumisse, mas não se vê como o aplica nestas questões. Das afirmações proferidas induz-se um critério muito diverso: a vida humana só merece defesa quando dotada de certas características — garantias de sanidade e viabilidade —; ou então o de que, sem tais garantias, não existe vida humana.

Mas nenhum destes critérios parece médico; a medicina não consegue descobrir nos fetos defeituosos uma natureza diferente da humana. Não falo de meros tecidos tumorais; refiro-me aos organismos vivos que são gerados no seio da mulher. Portanto, a Ordem dos Médicos não fala em nome da medicina nem da sua ética específica. Em nome de que fala, pois? Como dizia, não faço a menor ideia. Apenas ouço falar de “consensos”. Mas estes, por sua vez, não dizem respeito à ética; dizem respeito à política. Logo, a Ordem prescinde dos seus próprios princípios e assume-se como representante de uma política eugénica qualquer. E nesse caso mudou ela de natureza: converteu-se num simples “lobby” pró-aborto. Proponho então que mude de nome e se crie uma verdadeira Ordem dos Médicos.

A medicina — e até o simples senso comum — sabe que todos os fetos são inviáveis. Por mais normal que seja a gestação e mais feliz o parto, nenhum resiste à morte se não receber cuidados imediatos e persistentes durante um longo período de desenvolvimento. Em comparação com a generalidade dos animais, o homem nasce prematuramente e bastante deformado; e, mesmo que fosse parido aos cinco anos, já de “T-shirt”, “jeans” e “ténis”, ainda não distinguiria um gelado de um torrão de saibro. Comparativamente, o homem nasce como uma espécie de animal doente, desorientado, com fraquíssimo instinto de conservação e com tendências destruidoras e quase suicidas. Para outras espécies que pudessem observá-lo, pareceria um animal enlouquecido... Totalmente indefeso e confuso, só a protecção familiar ou clínica o faz sobreviver após o parto.

Isto é: só tem viabilidade quando nós o aceitamos. E temos de aceitá-lo, pois não foi ele a tomar a iniciativa de vir ao mundo. Foi a gente. Viverá um dia, um mês, cem anos, mas tem igual direito à vida nuns casos como noutros. Se vai falecer em breve, por não haver remédio que o salve, evitemos-lhe o sofrimento quanto possível, mas não o matemos nós, e menos ainda o destrua quem o gerou, pois ninguém é dono de ninguém. Isto é que é ética; o resto, desumanidade.

Aliás, que critério é o da sobrevivência para se ser humano? Alguém fica neste mundo para sempre? Não morremos todos? Quem determina o tempo “obrigatório” da sobrevivência humana? Será a Ordem dos Médicos?

Bom, dirá o “lobby” dos consensos, não se trata apenas de sobrevivência, mas de “qualidade de vida”... Qualidade de vida para quem? Para o nascituro ou para quem o gerou? Se é para o nascituro, não há dúvida de que tem melhor qualidade de vida tendo vida do que sendo privado dela... Logo, se se lhe nega o direito a viver, não é na sua felicidade que se pensa, mas na comodidade de quem é responsável por ele e não está disposto a aturá-lo. Atitude miserável.

E se se trata de um verdadeiro monstro? Se não é massa tumoral, mas organismo vivo, será um monstro humano; respeitemo-lo. Aliás, de que estamos falando: de ética ou de estética? Porque, se o critério decisivo é o estético, quanta mortandade havia que fazer no mundo!

Mas não esqueçamos a segunda vítima: a mulher. E pensemos num aspecto de elementar lealdade: os clínicos abortistas avisam ao menos as suas “clientes” das consequências próximas e futuras do aborto? Talvez o façam no aspecto fisiológico, mas como o farão no aspecto psíquico, se não estudaram a sério, cientificamente, as sequelas daí resultantes? Tanto mais que muitas consequências não se apresentam imediatamente, mas incubam na mulher (e no próprio médico abortador: Daniel Serrão garantiu há tempos que bastantes se suicidam...) ao longo dos anos, até se transformarem eventualmente em transtornos incuráveis. Leram, ao menos, o relatório inglês “The Physical and Psycho-Social effects of Abortion on Women”, entregue à Câmara dos Lordes em 1994? Têm-se dedicado a reunir dados referentes a Portugal? Têm seguido o processo interior de um número significativo de mulheres que abortaram? Têm protestado contra a leviandade com que os fundamentalistas da “interrupção” falam da “depressão pós-aborto”, como se não passasse de uma vulgar enxaqueca? Explicam às pobres mulheres que, ao retirar-lhes o filho, colocam em seu lugar uma bomba de relógio que lhes rebentará na mente — na consciência — mais cedo ou mais tarde? Ouviram falar da “síndrome do carrasco”, que leva muitas delas a uma obsessiva autojustificação, quando não há justificação alguma, mas apenas atenuantes? Se é em nome do bem-estar das mulheres que actuam, como se atrevem a aconselhar o abortamento sem conhecerem a probabilidade nem a gravidade dos traumas que lhes provocarão?

Decididamente, a Ordem dos Médicos não fala em nome da Medicina.

(Jornal de Notícias, 10 de Dezembro de 1996)

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