2003/12/30
OS MÉDICOS E O ABORTO
Professor Doutor DANIEL SERRÃO
Médico. Professor Catedrático da Faculdade de Medicina do Porto. Membro da Comissão Nacional de Ética e da Academia Pontifícia das Ciências da Vida. Presidente da Associação dos Médicos Católicos Portugueses.
No meio de tanta turbulência e emotividade, proponho-me um depoimento sereno, como médico, sobre o acto de abortamento.
1. Em primeiro lugar, o médico não pode nem deve proceder ao acto de matar um ser humano autónomo, que se está a desenvolver na cavidade uterina de uma mulher, apenas porque a mulher lhe solicita que o faça. Não se tratando de uma situação de doença, o médico não pode deixar-se manipular pela vontade da gestante, que apenas deseja destruir o ser humano que ela aceitou criar quando consentiu em ser fecundada.
Matar uma criança saudável que está a viver, transitoriamente, no útero de uma mulher saudável, não é um acto médico. Nenhum médico o pode ou deve praticar.
Os poucos médicos que aceitam acatar a vontade destas mulheres fazem-no apenas por dinheiro, são ambiciosos sem escrúpulos, que não merecem usar o título de médicos. Muitos deles acabam a sua vida em grande desespero, alguns suicidam-se, outros transformam-se em grandes activistas das campanhas contra o aborto. Nenhum tem paz.
Estes abortos a pedido da mulher, sem razões de saúde, e invocando vagos pretextos económicos ou sociais são e continuarão a ser sempre clandestinos e de alto risco, porque nem os médicos nem outros profissionais de saúde os podem ou devem praticar. E são a imensa maioria. A solução é económica, social e educativa; não passa pelo aborto.
2. Quando haja motivos de saúde, da mãe ou da criança em desenvolvimento, é dever do médico estudar com o maior cuidado, com o maior rigor científico e técnico, com simpatia e até com afectividade, a situação que lhe é apresentada.
Como médico, cabe-lhe defender, antes de mais, os interesses do seu doente.
Se o doente é a mãe, se há risco grave de vida, se esta vida só pode ser salva com uma acção terapêutica que, indirectamente, pode matar o produto de concepção, o médico, obtido o assentimento da mãe, vai, em último recurso e sempre com sofrimento pessoal, fazer esse tratamento de que resultará a morte do filho. Mas, a este acto médico não se deve chamar aborto. É boa prática médica.
Se o seu doente é o filho, o médico deve procurar tratá-lo e já hoje se tratam, até cirurgicamente, doenças e malformações dos fetos. A medicina e a cirurgia fetal desenvolvem-se e progridem rapidamente e o médico tudo deve fazer para curar o feto doente que está entregue aos seus cuidados. Mas se a doença é de morte, a própria mãe o expulsa já morto. Se a morte vai ocorrer, com absoluta certeza, pouco depois do nascimento, e se o que vai nascer não é um corpo humano mas um corpo ao qual faltam os órgãos que lhe permitirão que venha a ser uma pessoa humana, o médico pode terminar a gestação deste produto anormal, extraindo-o do corpo da mãe, obtido o assentimento desta. Mas a este acto médico não se deve chamar aborto. É boa prática médica.
3. Entre estes dois extremos, onde a decisão médica é fácil — sempre não, no primeiro; sempre sim, no segundo — fica a zona cinzenta, ocupada pela doença da mãe, de gravidade difícil de valorizar, em especial no foro psíquico; fica a gravidez resultante de violação agressiva que causa uma profunda rejeição pelo produto desse crime nojento; fica a malformação do feto que não ameaça a sua vida mas vai produzir um ser humano, com deficiências mais ou menos incapacitantes, a exigir muita dedicação dos pais e grande apoio da sociedade; fica o defeito genético cuja probabilidade de se manifestar como doença não pode ser garantida, etc.; nem esquecer que as técnicas invasoras de estudo do feto são, elas próprias, causa de abortamento, numa percentagem não desprezível.
Aqui, o médico actua como membro de uma equipa ao lado de outros especialistas e em apurado diálogo com a família em causa. Completado o estudo, há que ponderar em conjunto qual é a solução melhor, apresentá-la ao casal e deixar que este resolva, segundo a sua consciência ética e moral, se a aceita ou não.
Se o casal não aceita uma solução que envolva a morte do seu filho, a equipa de diagnóstico e tratamento deve aceitar esta escolha.
Se a proposta não é a de matar o filho, mas o casal não deseja correr nenhum risco e, "pelo seguro", prefere que o filho seja morto, o médico tem o direito de recorrer à objecção de consciência.
Se a proposta é a morte do filho, porque a equipa ponderou todos os aspectos e considerou que era a melhor solução para o caso clínico, tal como ele objectivamente se apresenta (por exemplo caso de violação com alto risco de suicídio da mãe), e se o casal aceita o sacrifício do filho, o médico pode proceder a este acto, sempre o considerando como um abortamento com fim terapêutico, registando-o como tal e com referência às pessoas e aos motivos que geraram esta decisão. Mesmo neste caso, um médico ou um enfermeiro podem apresentar objecção de consciência.
4. E a lei? Dada a dificuldade de consenso, resulta ambígua. Se o abortamento só é legalizada por ser legítimo, por ser uma boa solução terapêutica, então a sua legitimidade é igual às 12 semanas, às 16, às 14, ou às 32 semanas.
Porém se o legislador, o Parlamento, acham que alguns abortamentos, feitos nos termos da lei, não eram legítimos e pretendem legalizá-los, mas apenas dentro de um certo prazo (sem nenhuma razão científica válida), a fixação deste prazo é eticamente perversa e pode permitir passar, sub-liminarmente esta mensagem: não é legítimo fazer um abortamento, mas se for logo no princípio...
Em conclusão:
O médico só pode intervir na gravidez, quando há uma situação clínica que o justifique.
Algumas vezes, dessa intervenção, clinicamente justificada, pode resultar a morte do produto de concepção; mas esta morte não é intencionalmente procurada e produzida pelo médico como a finalidade única ou principal da sua intervenção.
Porque é, então, um acto médico legítimo, o momento temporal da sua realização não pode ser limitado por quaisquer disposições legais que fixem prazos.
O abortamento, a pedido da mulher grávida, sem razões médicas, não deve ser nunca praticada por médicos cuja actividade profissional se destina a tratar as doenças e aliviar o sofrimento quando não seja possível tratar ou curar.
(Agência Ecclesia, 30 de Outubro de 1996)
Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.
Médico. Professor Catedrático da Faculdade de Medicina do Porto. Membro da Comissão Nacional de Ética e da Academia Pontifícia das Ciências da Vida. Presidente da Associação dos Médicos Católicos Portugueses.
No meio de tanta turbulência e emotividade, proponho-me um depoimento sereno, como médico, sobre o acto de abortamento.
1. Em primeiro lugar, o médico não pode nem deve proceder ao acto de matar um ser humano autónomo, que se está a desenvolver na cavidade uterina de uma mulher, apenas porque a mulher lhe solicita que o faça. Não se tratando de uma situação de doença, o médico não pode deixar-se manipular pela vontade da gestante, que apenas deseja destruir o ser humano que ela aceitou criar quando consentiu em ser fecundada.
Matar uma criança saudável que está a viver, transitoriamente, no útero de uma mulher saudável, não é um acto médico. Nenhum médico o pode ou deve praticar.
Os poucos médicos que aceitam acatar a vontade destas mulheres fazem-no apenas por dinheiro, são ambiciosos sem escrúpulos, que não merecem usar o título de médicos. Muitos deles acabam a sua vida em grande desespero, alguns suicidam-se, outros transformam-se em grandes activistas das campanhas contra o aborto. Nenhum tem paz.
Estes abortos a pedido da mulher, sem razões de saúde, e invocando vagos pretextos económicos ou sociais são e continuarão a ser sempre clandestinos e de alto risco, porque nem os médicos nem outros profissionais de saúde os podem ou devem praticar. E são a imensa maioria. A solução é económica, social e educativa; não passa pelo aborto.
2. Quando haja motivos de saúde, da mãe ou da criança em desenvolvimento, é dever do médico estudar com o maior cuidado, com o maior rigor científico e técnico, com simpatia e até com afectividade, a situação que lhe é apresentada.
Como médico, cabe-lhe defender, antes de mais, os interesses do seu doente.
Se o doente é a mãe, se há risco grave de vida, se esta vida só pode ser salva com uma acção terapêutica que, indirectamente, pode matar o produto de concepção, o médico, obtido o assentimento da mãe, vai, em último recurso e sempre com sofrimento pessoal, fazer esse tratamento de que resultará a morte do filho. Mas, a este acto médico não se deve chamar aborto. É boa prática médica.
Se o seu doente é o filho, o médico deve procurar tratá-lo e já hoje se tratam, até cirurgicamente, doenças e malformações dos fetos. A medicina e a cirurgia fetal desenvolvem-se e progridem rapidamente e o médico tudo deve fazer para curar o feto doente que está entregue aos seus cuidados. Mas se a doença é de morte, a própria mãe o expulsa já morto. Se a morte vai ocorrer, com absoluta certeza, pouco depois do nascimento, e se o que vai nascer não é um corpo humano mas um corpo ao qual faltam os órgãos que lhe permitirão que venha a ser uma pessoa humana, o médico pode terminar a gestação deste produto anormal, extraindo-o do corpo da mãe, obtido o assentimento desta. Mas a este acto médico não se deve chamar aborto. É boa prática médica.
3. Entre estes dois extremos, onde a decisão médica é fácil — sempre não, no primeiro; sempre sim, no segundo — fica a zona cinzenta, ocupada pela doença da mãe, de gravidade difícil de valorizar, em especial no foro psíquico; fica a gravidez resultante de violação agressiva que causa uma profunda rejeição pelo produto desse crime nojento; fica a malformação do feto que não ameaça a sua vida mas vai produzir um ser humano, com deficiências mais ou menos incapacitantes, a exigir muita dedicação dos pais e grande apoio da sociedade; fica o defeito genético cuja probabilidade de se manifestar como doença não pode ser garantida, etc.; nem esquecer que as técnicas invasoras de estudo do feto são, elas próprias, causa de abortamento, numa percentagem não desprezível.
Aqui, o médico actua como membro de uma equipa ao lado de outros especialistas e em apurado diálogo com a família em causa. Completado o estudo, há que ponderar em conjunto qual é a solução melhor, apresentá-la ao casal e deixar que este resolva, segundo a sua consciência ética e moral, se a aceita ou não.
Se o casal não aceita uma solução que envolva a morte do seu filho, a equipa de diagnóstico e tratamento deve aceitar esta escolha.
Se a proposta não é a de matar o filho, mas o casal não deseja correr nenhum risco e, "pelo seguro", prefere que o filho seja morto, o médico tem o direito de recorrer à objecção de consciência.
Se a proposta é a morte do filho, porque a equipa ponderou todos os aspectos e considerou que era a melhor solução para o caso clínico, tal como ele objectivamente se apresenta (por exemplo caso de violação com alto risco de suicídio da mãe), e se o casal aceita o sacrifício do filho, o médico pode proceder a este acto, sempre o considerando como um abortamento com fim terapêutico, registando-o como tal e com referência às pessoas e aos motivos que geraram esta decisão. Mesmo neste caso, um médico ou um enfermeiro podem apresentar objecção de consciência.
4. E a lei? Dada a dificuldade de consenso, resulta ambígua. Se o abortamento só é legalizada por ser legítimo, por ser uma boa solução terapêutica, então a sua legitimidade é igual às 12 semanas, às 16, às 14, ou às 32 semanas.
Porém se o legislador, o Parlamento, acham que alguns abortamentos, feitos nos termos da lei, não eram legítimos e pretendem legalizá-los, mas apenas dentro de um certo prazo (sem nenhuma razão científica válida), a fixação deste prazo é eticamente perversa e pode permitir passar, sub-liminarmente esta mensagem: não é legítimo fazer um abortamento, mas se for logo no princípio...
Em conclusão:
O médico só pode intervir na gravidez, quando há uma situação clínica que o justifique.
Algumas vezes, dessa intervenção, clinicamente justificada, pode resultar a morte do produto de concepção; mas esta morte não é intencionalmente procurada e produzida pelo médico como a finalidade única ou principal da sua intervenção.
Porque é, então, um acto médico legítimo, o momento temporal da sua realização não pode ser limitado por quaisquer disposições legais que fixem prazos.
O abortamento, a pedido da mulher grávida, sem razões médicas, não deve ser nunca praticada por médicos cuja actividade profissional se destina a tratar as doenças e aliviar o sofrimento quando não seja possível tratar ou curar.
(Agência Ecclesia, 30 de Outubro de 1996)
Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.
Etiquetas: Em Defesa da Vida
2003/12/29
Como fazer melhor que até agora, em matéria de formação profissional? Programas e tarefas à medida dos novos nacionalistas. (V)
Há quem pretenda que este foi o ano dos horrores para o Governo.
Foi bem pior para o País, 2003.
A meu ver, o Governo conseguiu deixar revelar-se cruamente todo o horror a que o País chegou ou chegara.
Repor ordem “nisto”, adiantemos já, seria, será sobre-humano para qualquer Governo.
Hoje sabemos, porém, graças à filosofia governamental, quão grave é o estado do País e de quais e quantos défices sofremos, e não apenas do défice financeiro, que talvez nem seja o mais grave, mas tem sido o mais decisivo revelador de todos os demais “défices” acumulados.
Não deixa de ser um avanço importante, sabê-lo sem ilusões.
Como sempre, há no País “elites” que enfrentam pouco corajosamente as realidades, se desorientam e na melhor hipótese, esbracejam por soluções... não digo teóricas, mas meteóricas e daquelas que só responsabilizam os outros, sempre os outros.
O Governo mostra-se, mais vezes do que seria conveniente, mal servido de pessoal à altura das tarefas colossais que projecta assumir e que, por isso, chega a definir, mas insuficientemente, em vários casos.
Noutros, parece às vezes já prisioneiro de lobbies de interesses instalados meramente negativos.
Tem de deixar-se dessas fraquezas, se quiser provar-nos ser capaz de governar ainda dez anos, o tempo de que o Primeiro-ministro disse carecermos para se vencerem os “demónios” que nos arrastam e arrasam. Foi pelo menos assim que entendi o fundo da questão.
Chamar-lhe-ão outros uma atitude ou uma posição demasiado voluntarista.
Que mais nos resta?
Mas possa e saiba o Governo enfrentar dois ou três testes, imediatamente, e terá a partida ganha.
E se forem áreas em que as oposições dificilmente encontrem motivos para objecções de fundo, mais garantido antecipadamente poderá estar o sucesso que é preciso a todo o custo.
Os testes a que me refiro creio que poderiam ser o da política de salvação e recuperação da floresta e o teste do ensino profissional.
Quanto a este, recordarei que, na 2ª metade do séc. XIX, os principais países europeus — grandes e alguns pequenos, como a Bélgica, a Holanda, a Suíça, a Dinamarca — desenvolveram novos sistemas de aprendizagem. Composta esta de parte teórica, dada em escolas do Estado, e de parte prática, oficinal, dada nas empresas privadas onde os aprendizes estavam empregadas, foi o sistema o responsável pelo grande salto na qualificação dos trabalhadores desses Países.
Foi essa qualificação uma das principais causas responsáveis pelo avanço tecnológico e de competitividade conseguido por tais países, avanço que em grande parte perdura ainda, nas indústrias e serviços.
Se agora perdêssemos o que nos últimos dez anos se tem conseguido com as Escolas Profissionais, na iminência em que estamos de a partir de 2007 perdermos os apoios financeiros da União Europeia para elas, novo passo atrás seria inevitável na qualificação profissional das novas gerações .
O Governo definiu já passos acertados para evitá-lo. Preciso será que mantenha firmemente os propósitos definidos e lhes acrescente um programa claro e ambicioso de alargamento do número de escolas existentes e do número de cursos criados e apoiados.
A avaliar pelo que se passou desde o surto do sub-sistema de ensino que as EP representam, não faltarão reacções positivas da sociedade civil – empresas e instituições privadas as mais diversas — para assumirem as responsabilidades pela criação e gestão de muitas novas escolas e de muitos novos cursos profissionais.
Falarei a seguir da recuperação florestal, domínio em que o Estado está a avançar já com propósitos muito importantes, estimulado pelo ambiente favorável dum País finalmente desperto para o problema.
Lamentável só que tenha sido necessária uma catástrofe como a deste verão, para acordar um sentimento nacional dinâmico e realmente criador de soluções para a floresta.
Assim não se esvazie esse sentimento e antes perdure e se reforce!
Nós, novos nacionalistas, prometemos vigilância.
A.C.R.
Foi bem pior para o País, 2003.
A meu ver, o Governo conseguiu deixar revelar-se cruamente todo o horror a que o País chegou ou chegara.
Repor ordem “nisto”, adiantemos já, seria, será sobre-humano para qualquer Governo.
Hoje sabemos, porém, graças à filosofia governamental, quão grave é o estado do País e de quais e quantos défices sofremos, e não apenas do défice financeiro, que talvez nem seja o mais grave, mas tem sido o mais decisivo revelador de todos os demais “défices” acumulados.
Não deixa de ser um avanço importante, sabê-lo sem ilusões.
Como sempre, há no País “elites” que enfrentam pouco corajosamente as realidades, se desorientam e na melhor hipótese, esbracejam por soluções... não digo teóricas, mas meteóricas e daquelas que só responsabilizam os outros, sempre os outros.
O Governo mostra-se, mais vezes do que seria conveniente, mal servido de pessoal à altura das tarefas colossais que projecta assumir e que, por isso, chega a definir, mas insuficientemente, em vários casos.
Noutros, parece às vezes já prisioneiro de lobbies de interesses instalados meramente negativos.
Tem de deixar-se dessas fraquezas, se quiser provar-nos ser capaz de governar ainda dez anos, o tempo de que o Primeiro-ministro disse carecermos para se vencerem os “demónios” que nos arrastam e arrasam. Foi pelo menos assim que entendi o fundo da questão.
Chamar-lhe-ão outros uma atitude ou uma posição demasiado voluntarista.
Que mais nos resta?
Mas possa e saiba o Governo enfrentar dois ou três testes, imediatamente, e terá a partida ganha.
E se forem áreas em que as oposições dificilmente encontrem motivos para objecções de fundo, mais garantido antecipadamente poderá estar o sucesso que é preciso a todo o custo.
Os testes a que me refiro creio que poderiam ser o da política de salvação e recuperação da floresta e o teste do ensino profissional.
Quanto a este, recordarei que, na 2ª metade do séc. XIX, os principais países europeus — grandes e alguns pequenos, como a Bélgica, a Holanda, a Suíça, a Dinamarca — desenvolveram novos sistemas de aprendizagem. Composta esta de parte teórica, dada em escolas do Estado, e de parte prática, oficinal, dada nas empresas privadas onde os aprendizes estavam empregadas, foi o sistema o responsável pelo grande salto na qualificação dos trabalhadores desses Países.
Foi essa qualificação uma das principais causas responsáveis pelo avanço tecnológico e de competitividade conseguido por tais países, avanço que em grande parte perdura ainda, nas indústrias e serviços.
Se agora perdêssemos o que nos últimos dez anos se tem conseguido com as Escolas Profissionais, na iminência em que estamos de a partir de 2007 perdermos os apoios financeiros da União Europeia para elas, novo passo atrás seria inevitável na qualificação profissional das novas gerações .
O Governo definiu já passos acertados para evitá-lo. Preciso será que mantenha firmemente os propósitos definidos e lhes acrescente um programa claro e ambicioso de alargamento do número de escolas existentes e do número de cursos criados e apoiados.
A avaliar pelo que se passou desde o surto do sub-sistema de ensino que as EP representam, não faltarão reacções positivas da sociedade civil – empresas e instituições privadas as mais diversas — para assumirem as responsabilidades pela criação e gestão de muitas novas escolas e de muitos novos cursos profissionais.
Falarei a seguir da recuperação florestal, domínio em que o Estado está a avançar já com propósitos muito importantes, estimulado pelo ambiente favorável dum País finalmente desperto para o problema.
Lamentável só que tenha sido necessária uma catástrofe como a deste verão, para acordar um sentimento nacional dinâmico e realmente criador de soluções para a floresta.
Assim não se esvazie esse sentimento e antes perdure e se reforce!
Nós, novos nacionalistas, prometemos vigilância.
A.C.R.
Etiquetas: Balanço do Nacionalismo Português Actual, Ensino, II Congresso Nacionalista Português, Um Nacionalismo Novo
A MULHER E O SALMÃO
Professor Doutor DANIEL SERRÃO
Médico. Professor Catedrático da Faculdade de Medicina do Porto. Membro da Comissão Nacional de Ética e da Academia Pontifícia das Ciências da Vida. Presidente da Associação dos Médicos Católicos Portugueses.
Durante a audição parlamentar, em relação com os projectos de alteração da lei do aborto, fiz uma referência, “en passant”, ao comportamento da fêmea do salmão em matéria de protecção da fertilidade natural.
Apresentada fora do contexto por alguns meios de comunicação social, tem-me valido críticas contundentes e até a classificação de “boutade” por parte de um colaborador do PÚBLICO que, aliás, escreveu um artigo muito equilibrado e bem argumentado.
Mas afinal o que é que eu disse?
Que a vida, biologicamente considerada, é igual nas plantas, nos animais e no homem. É um processo com algumas centenas de milhões de anos que evoluiu de uma célula primordial pró-cariota até à biodiversidade actual.
Na biodiversidade, o homem é muito recente e não se pode garantir que não seja uma emergência passageira. Alguns ecologistas “duros” admitem até que, se for necessário para conservar o sistema bioecológico que o homem desapareça, ele tem o dever “ético” de desaparecer por uma extinção em massa natural.
O homem, porém, não será naturalmente extinto porque ele é o único ser vivo capaz de pensar o futuro e de modificar o seu comportamento segundo a sua inteligência (o chamado “Clube de Roma” fez, nesta perspectiva, um exercício exemplar).
A fertilidade de todas as espécies vivas é a estratégia fundamental de sobrevivência. Não da sobrevivência do indivíduo, claro está, mas da sobrevivência da organização (do organismo) que nele se manifesta e da população dos organismos idênticos.
É verdade que a fêmea do salmão, apesar de todo o seu cuidado e vigilância, vê os predadores destruírem parte dos seus filhos; é verdade que algumas fê-meas de mamíferos não conseguem, por vezes, amamentar os filhos quando são em número excessivo; é, também, verdade que a tartaruga marinha percorre milhares de quilómetros para depositar os ovos na areia de uma certa praia e os nativos humanos podem comê-los. Mas estes fracassos relativos da fertilidade animal não são imputáveis à etologia das espécies.
A fertilidade é, de facto, a estratégia maior da sobrevivência das espécies. Também o é na espécie humana. Só que o homem, sendo, de toda a evidência, um animal, não é apenas um animal. À ética de base biológica — à qual está, naturalmente, sujeito — acrescenta-se uma ética de fundamentação racional e, para muitos, uma ética de raiz transcendental ou religiosa.
O que eu quis propor aos deputados foi que considerassem estes três níveis de condicionamento ético do comportamento humano e que, ao votarem, votassem em consciência. Não apenas consciência moral e religiosa (naturalmente respeitável), mas consciência cognitiva e racional (autoconsciência) e ainda uma espécie de consciência residual puramente biológica, a qual, queiramos ou não, subjaz no nosso estado actual de seres orgulhosamente inteligentes, pro-prietários do mundo natural e das coisas vivas que o habitam.
Quando penso na monstruosidade que foi a Inquisição e a monstruosidade que é, ainda nos nossos dias, a escravatura, convenço-me que os que foram queimados e os que estão sujeitos a escravidão não eram nem são, para os autores do crime, seres humanos mas apenas coisas humanas ou, sabe-se lá, animais.
O embrião não é uma coisa. É, ao mesmo tempo, ele próprio e o seu desenvolvimento futuro. A corporeidade humana está toda contida na estrutura biológica do embrião e por isso este é um real ser humano que vai desenvolver-se “ex natura sua”, com os seus próprios meios.
Eu fui embrião e hoje, adulto velho, não posso dizer “tenho um corpo”, mas sim “sou um corpo”. O mesmo que diria, quando fui embrião, se pudesse falar.
Mas são as palavras que criam o real? Não é o real anterior a todas as palavras?
(Público, 20 de Fevereiro de 1997)
Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.
Médico. Professor Catedrático da Faculdade de Medicina do Porto. Membro da Comissão Nacional de Ética e da Academia Pontifícia das Ciências da Vida. Presidente da Associação dos Médicos Católicos Portugueses.
Durante a audição parlamentar, em relação com os projectos de alteração da lei do aborto, fiz uma referência, “en passant”, ao comportamento da fêmea do salmão em matéria de protecção da fertilidade natural.
Apresentada fora do contexto por alguns meios de comunicação social, tem-me valido críticas contundentes e até a classificação de “boutade” por parte de um colaborador do PÚBLICO que, aliás, escreveu um artigo muito equilibrado e bem argumentado.
Mas afinal o que é que eu disse?
Que a vida, biologicamente considerada, é igual nas plantas, nos animais e no homem. É um processo com algumas centenas de milhões de anos que evoluiu de uma célula primordial pró-cariota até à biodiversidade actual.
Na biodiversidade, o homem é muito recente e não se pode garantir que não seja uma emergência passageira. Alguns ecologistas “duros” admitem até que, se for necessário para conservar o sistema bioecológico que o homem desapareça, ele tem o dever “ético” de desaparecer por uma extinção em massa natural.
O homem, porém, não será naturalmente extinto porque ele é o único ser vivo capaz de pensar o futuro e de modificar o seu comportamento segundo a sua inteligência (o chamado “Clube de Roma” fez, nesta perspectiva, um exercício exemplar).
A fertilidade de todas as espécies vivas é a estratégia fundamental de sobrevivência. Não da sobrevivência do indivíduo, claro está, mas da sobrevivência da organização (do organismo) que nele se manifesta e da população dos organismos idênticos.
É verdade que a fêmea do salmão, apesar de todo o seu cuidado e vigilância, vê os predadores destruírem parte dos seus filhos; é verdade que algumas fê-meas de mamíferos não conseguem, por vezes, amamentar os filhos quando são em número excessivo; é, também, verdade que a tartaruga marinha percorre milhares de quilómetros para depositar os ovos na areia de uma certa praia e os nativos humanos podem comê-los. Mas estes fracassos relativos da fertilidade animal não são imputáveis à etologia das espécies.
A fertilidade é, de facto, a estratégia maior da sobrevivência das espécies. Também o é na espécie humana. Só que o homem, sendo, de toda a evidência, um animal, não é apenas um animal. À ética de base biológica — à qual está, naturalmente, sujeito — acrescenta-se uma ética de fundamentação racional e, para muitos, uma ética de raiz transcendental ou religiosa.
O que eu quis propor aos deputados foi que considerassem estes três níveis de condicionamento ético do comportamento humano e que, ao votarem, votassem em consciência. Não apenas consciência moral e religiosa (naturalmente respeitável), mas consciência cognitiva e racional (autoconsciência) e ainda uma espécie de consciência residual puramente biológica, a qual, queiramos ou não, subjaz no nosso estado actual de seres orgulhosamente inteligentes, pro-prietários do mundo natural e das coisas vivas que o habitam.
Quando penso na monstruosidade que foi a Inquisição e a monstruosidade que é, ainda nos nossos dias, a escravatura, convenço-me que os que foram queimados e os que estão sujeitos a escravidão não eram nem são, para os autores do crime, seres humanos mas apenas coisas humanas ou, sabe-se lá, animais.
O embrião não é uma coisa. É, ao mesmo tempo, ele próprio e o seu desenvolvimento futuro. A corporeidade humana está toda contida na estrutura biológica do embrião e por isso este é um real ser humano que vai desenvolver-se “ex natura sua”, com os seus próprios meios.
Eu fui embrião e hoje, adulto velho, não posso dizer “tenho um corpo”, mas sim “sou um corpo”. O mesmo que diria, quando fui embrião, se pudesse falar.
Mas são as palavras que criam o real? Não é o real anterior a todas as palavras?
(Público, 20 de Fevereiro de 1997)
Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.
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