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2003/07/11

Nacionalismo e Capitalismo 

Quinta Clarificação — Podemos não ser capitalistas, em certo sentido estrito, mas temos de compreender que, nas raízes e práticas do capitalismo, há forças, exigências e motivações que também motivam o nacionalismo, no plano económico e, por isso, no plano da organização social.
Quando o homem em sociedade foi descobrindo a importância e possibilidades do fenómeno eminentemente social das trocas e sua utilidade, era inevitável que essa descoberta ou invenção do homem conduzisse a várias consequências da maior importância.
A saber:
1. A invenção ou consolidação e nova justificação histórica da “invenção” da propriedade privada.
2. O desenvolvimento de formas novas de acumulação de “capital” e poupança.
3. A crescente prática de opções ou escolhas de produtos e parceiros de trocas, portanto a prática de actos livres ou tendencialmente livres aceites pela sociedade e pelos diversos poderes.
4. O fortalecimento do espírito e liberdade de iniciativa.
5. A invenção da moeda, como meio e intermediário de trocas e de acumulação ou reserva de valores.
6. o desenvolvimento da noção e práticas de mercado e do relacionamento, em círculos cada vez mais alargados e irreversíveis, entre os indivíduos e entre os grupos sociais.
Etc.
Nada disto é incompatível com o nacionalismo.
Mas tudo isto é susceptível de desvios e corrupções que adulterem cada uma das citadas “invenções” ou descobertas, a ponto de chegarem a encarnar em verdadeiros pesadelos: o Leviatão, “os admiráveis mundos novos”, os monstros de Orwell.
Devem-se-lhes, porém, enormes saltos em frente das sociedades e da valorização dos recursos materiais e humanos.
Representam tendências inatas do homem e da humanidade, anteriores a qualquer ideologia. As ideologias que tentaram impor-se-lhes e abafar essas tendências ou menorizá-las foram sendo sucessivamente destruídas e arrumadas nas “prateleiras” da História.
Nada há a fazer contra certas tendências inatas do homem.
Mas há mais: há que compreender que tentar abafá-las ou menorizá-las seria amputar o próprio homem.
De tal não poderá acusar-se nem suspeitar-se o novo nacionalismo.
Como governo, ao nacionalismo competirá estimular tudo o que o desenvolvimento histórico acabou por revelar de intrínseco ao homem, positivamente produto da sua natureza e do acolhimento que a sociedade lhe deu.
É, a meu ver, em duas palavras, o que a doutrina chama Direito Natural.
Que não pode ser classificado de “capitalista”, mas menos ainda de anti-capitalista.
Diríamos que os excessos do capitalismo e da iniciativa privada, quando os haja, só em nome do próprio Direito Natural podem ser utilmente corrigidos.


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2003/07/09

Nacionalismo Burguês? 

Quarta clarificação — Os antigos comunistas chamariam a isto uma solução burguesa para problemas duma concepção também burguesa — e não apenas aburguesada — da política e dos seus mecanismos.
Refiro-o sem ironia e apenas porque é oportunidade para um esclarecimento mais, indispensável que o julgo para clarificarmos o sentido do nosso novo nacionalismo, do nacionalismo do futuro, que aos nacionalistas lúcidos da actualidade caberá gerar.
O nacionalismo não é classista, não implica privilégios nem marginalização seja de que estrato social for. Não deixa, apesar disso, de haver entre alguns que se consideram nacionalistas um sorriso escarninho e subentendidos desprimorosos para tudo o que chamam burguês e às vezes pequeno-burguês.
É preciso entendermo-nos sobre isto: um partido nacionalista não pode comungar no que chamarei o antiburguesismo primário de alguns. Pessoalmente, tenho naturalmente um enorme respeito pelos estratos sociais burgueses da sociedade, que serão ainda hoje e talvez desde há cinco ou seis séculos, se não mais, os estratos sociais por excelência criativos das sociedades ocidentais.
Pode ser que o sufrágio universal seja uma conquista da burguesia, mas nem por isso deixou de tornar-se uma conquista de valor universal. Quero voltar a sublinhar, pois, que um partido nacionalista europeu, actual e com futuro, tem necessariamente de considerar o sufrágio universal como uma conquista incontornável, a repor sempre que as circunstâncias o tenham minimizado ou corrompido.
Outro modo de ver condenaria os nacionalistas ao insucesso, mesmo se pensássemos que o sufrágio universal é apenas o “menos pior” dos métodos de formação e escolha da representação política.
Muitas das construções em sentido contrário em que alguns nacionalistas têm sido pródigos ou em que prodigamente têm comungado, não passam já hoje de meras fábulas, quantas vezes admiráveis, outras vezes muito menos, mas na realidade quase sempre não mais que fábulas.
Mas o sufrágio universal é, como quase tudo, repito, altamente susceptível de menorização e corrupção. O que acontece em todas as democracias que conhecemos e, em particular, na nossa, apesar de jovem, como lhe chamam os seus admiradores-detractores.
E será por isso tarefa dos nacionalistas, nossa, pois, mantermos uma vigilância permanente sobre os factores de degradação do sufrágio universal. O que, de outro modo, me leva a dizer que tem de ser preocupação própria dos nacionalistas nunca deixarmos de estar atentos à necessidade e responsabilidade de corrigir o funcionamento do sufrágio universal. Isso equivale a dizer corrigir a “democracia” que temos, no que ela tem de mais simplesmente essencial.
Ora, a desconfiança de tantos homens inteligentes e lúcidos, verdadeiros nacionalistas muitas vezes, a respeito do que acabo de dizer do sufrágio universal, radica principalmente, a meu ver, num equívoco perfeitamente compreensível, mas de origem histórica puramente circunstancial.
Já nos finais do séc. XIX, mas sobretudo desde a Grande Guerra (1914-18), a democracia e o sufrágio universal, com que era afinal identificada, acharam-se completamente descreditados. Saltava à vista de muitos a ameaça de morte que a democracia desacreditada — e com ela o sufrágio universal — representava então para a sobrevivência de muitos Povos.
Os melhores espíritos, na sua maioria, tinham pois por indispensável e mesmo vital combatê-los e reduzi-los a zero.
Compreenderam de pressa, muitos deles, que o nacionalismo então recém-sistematizado e teorizado, era a melhor arma que tinham à mão para combater, destruir e substituir o sufrágio universal.*
Daí ter-se confundido o nacionalismo como antítese do próprio sufrágio universal.
É um equívoco que aqui se desfaz com gosto e que podemos ultrapassar sem risco de princípio para o nacionalismo e as suas futuras encarnações políticas, os partidos nacionalistas à cabeça. Que não passam, por isso, a poder considerar-se partidos burgueses. O nacionalismo novo selecciona, recebe e adopta heranças vivas de todos os extractos sociais, mas não se esgota em nenhuma dessas heranças.

* Com as crescentes pressões e reivindicações de que o sufrágio universal se alargasse ainda mais, aos “iletrados”, às mulheres, etc., isso representava para muitos o agravamento do que a seus olhos já era um “mal” bastante. Radicalizar o nacionalismo pode ter-lhes oferecido o meio de vencer essa “ameaça” crescente.

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2003/07/07

O Nacionalismo e o Sufrágio Universal 

Terceira clarificação — O que acaba de apresentar-se, a respeito dum partido nacionalista e das vias da sua chegada ao Poder, suscita uma outra questão fulcral que vem agora mais a propósito dilucidar.
Significa o que se acaba de dizer, ainda que a partir da rejeição da ideia do partido único, que a via privilegiada da chegada ao Poder dos nacionalistas não venha a ser, em última instância, a via eleitoral?
Pelo contrário e muito claramente, um partido nacionalista actual deve, no meu mais profundo entender, recusar outra qualquer forma de acesso à governação que não seja pela via eleitoral do sufrágio universal, seja como for que as leis do País o definam ou delimitem. Necessariamente, portanto, os Nacionalistas também não deverão, a meu ver, aceitar perder ou conservar o Poder de governar, naturalmente, senão por força de eleições regidas pelo sufrágio universal.
E se o sistema de sufrágio universal gripar?
Por outras palavras: devemos os nacionalistas recusar admitir, contra toda a experiência de séculos, que mesmo o mais rodado dos modernos regimes e sistemas políticos pode capotar em plena marcha e criar situações de prevista ou imprevista anormalidade, obrigando a saídas de recurso?
De facto não.
Temos mesmo de admitir que, em determinado momento, a classe política eleita por sufrágio universal num país qualquer se ache completamente desacreditada e sem autoridade nem ânimo para prosseguir o seu mandato.
Diz-se mesmo — dizem-no analistas completamente insuspeitos — que é até o que está progressivamente a acontecer em Portugal.
Mas aconteceu, por exemplo, em França em 1958; no Peru, há apenas dez anos, com Fujimoro; e ainda no Peru, contra Fujimoro, há meses; ou nas Filipinas também há poucos meses; e, de certo modo, na Indonésia, mais recentemente ainda.
Quer dizer: se a possibilidade nestes regimes — todos democráticos, pelo menos nominalmente — repito, se a possibilidade de verdadeiros vazios de poder, sanados por verdadeiros golpes de Estado, é perfeitamente verificável, ela é, em tese, não menos perfeitamente admissível em qualquer outro regime democrático.
Não pode até dizer-se que, em sentido mais lato, assistimos a um verdadeiro golpe de Estado nos próprios EUA, com Bush, no fim do ano passado, pela via judicial-constitucional?
Independentemente de especulações, é inegável que qualquer regime ou sistema político está sujeito às claudicações resultantes dum vazio de poder (sejam quais forem as suas razões ou razão) e que, postas em causa ou ineficazes os meios de prosseguir a normalidade política, todos os regimes e sistemas políticos estão sujeitos à cirurgia dum golpe de Estado. Não constitucional, naturalmente, não é desses que falo.
Portugal não está, portanto, livre disso também.
Muitos pensam que Portugal está hoje a amadurecer para tanto, à espera de mudança do regime político, tão importante, tão injusto, tão pouco operacional se está a revelar e a condenar.
Basta ler os jornais menos suspeitos, e ver o que escrevem os mais insuspeitos analistas e ditadores da opinião.
Claro que em Portugal nenhum golpe es Estado se fará hoje por iniciativa das Forças Armadas, como em 1910, em 1926 ou em 1974.
A sua desmotivação e envolvimentos internacionais, e, sobretudo, a sua impotência organizativa deixam os políticos e a classe política dormir completamente sossegados.
Talvez a GNR/Guarda Fiscal...
Ou mesmo a PSP, tão civilizada, mas quem sabe?...
Não é porém de excluir a hipótese de um grande e irresistível levantamento popular, como foi nas Filipinas, por exemplo, ou na Indonésia, há anos, contra Sukarmo.
Os governos actuais do País deveriam pensar que, sem a guarda pretoriana dumas Forças Armadas verdadeiramente motivadas e operacionais, se acham quase completamente indefesos contra uma hipótese dessas.
Talvez descansem sobre os esquadrões espanhóis...
Seria pior a emenda que o soneto, claro.
Talvez os meus ouvintes pensem que tudo isto é uma brincadeira sem pés nem cabeça.
Reflectindo melhor, verão que não.
Isto é, trata-se talvez de uma brincadeira muito séria.
Concluindo, pois, com toda a seriedade que o assunto exige.
Se amanhã se verificasse um vazio de Poder e coubesse aos nacionalistas ou partido(s) nacionalista(s) preenchê-lo, independentemente da origem do golpe de Estado, em sentido lato, preparado para resolvê-lo, os nacionalistas só muito transitoriamente poderiam aceitar o sacrifício, nesses moldes. E deveriam exigir, em qualquer caso, que o seu Poder fosse referendado pelo sufrágio universal, isto é, posto à prova pelo sufrágio universal, sob pena de mais ou menos rápido desgaste e desautorização.

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