2006/04/03
Mais uma característica perigosa
do velho funcionalismo (3)
(poste anterior)
Chamo-lhe perigosa, em vez de chamar-lhe negativa ou errada, para não dizer tudo duma vez só.
Quem tenha conhecido bem a máquina do funcionalismo, sobretudo se a conheceu de dentro mas também de fora, sabe com certeza, e pode até tê-lo descoberto em flagrante, sabe com certeza daquele gostinho requintado do funcionário, irresistível, saboreado e implicativo de criar exigências supérfluas, papéis e mais papéis, regulamentos, formulários, registos e procedimentos dispensáveis, repetitivos e minuciosos até ao absurdo.
Com que objectivo?
Pode não ser consciente, nem sequer o será correntemente e tem sempre o álibi da confiança e da segurança, hoje sublinhado ainda pelo perigo dos vírus dos computadores.
Mas o objectivo – chamemos-lhe sádico – existe como reflexo espontâneo e instintivo da tal segunda natureza de todo o funcionário que se preze, velho ou novo.
É o gosto sádico, repito, de o funcionário se sentir ou fazer indispensável para a resolução das complicações artificialmente criadas por ele e pelo sistema.
E isso acaba por confundir-se com uma forma de ambição de poder, o poder de torturar o próximo, única ambição que cabe nos casos extremos destes deformados do funcionalismo ou da função pública, alternativa que não é ilegítima, porque também aqui a função acaba por fazer o órgão.
Isto, se completamente verdadeiro, poderia levar-nos a concluir desde logo pela inutilidade de todas as pretensas reformas administrativas do Estado, isto é, dos serviços públicos. E mais: que aquilo que importaria seria reformar (reformular) as funções do Estado, porque sem isso, os seus serviços continuarão sempre a cair inevitavelmente nos vícios que conhecemos e que tanto obcecam os reformadores/salvadores das Pátrias.
Não nos antecipemos, para não desanimarmos os “salvadores” que agora temos, a começar pelo respeitabilíssimo e bem-intencionadíssimo Primeiro-Ministro, que ainda por cima se fixou um objectivo que a maioria, julgo eu, apoiaremos sem reservas: a aniquilação do Estado socialista construído estes anos todos com os resultados que se conhecem.
Em qualquer caso, não podemos estar tranquilos com a certeza da reforma supostamente exaustiva com que nos ameaçam.
Ao contrário do que se pensa, em geral as reformas boas tendem a ser piores que as reformas más. E é fácil de perceber porquê.
Primeiro, porque os funcionários não mudam nem deixam de o ser, só porque lhes fornecem um bom e afinado instrumento de trabalho. Pelo contrário, a segunda natureza deles, adquirida e aperfeiçoada em longa prática, tenderá inevitavelmente a deteriorar e corromper as melhores intenções e os métodos aparentemente mais inócuos e mais indeformáveis.
Em segundo lugar, porque não pode ser boa, seja que reforma for, quando posta ao serviço de finalidades, isto é, funções do Estado intoleráveis ou apenas indesejáveis.
Quando as responsabilidades que o Estado se atribui são abusivas ou apenas excessivas, se desempenhadas lestamente, sem entraves burocráticos, isso só serve para iludir melhor o pagode, dando um ar simpático e aliciante a funções que deveriam ser rejeitadas.
Já por aí se vê um dos perigos maiores das “boas” reformas.
Por esse ângulo, qualquer “boa” reforma só agrava os problemas dum país.
O menos que se pode dizer é que nenhuma reforma administrativa é boa, a não ser que ajude a destruir a cada vez mais gorda máquina estatal, no caso português o gordíssimo Estado socialista que ainda temos, aquilo exactamente de que os seus detractores dentro do P.S. acusam o Primeiro-Ministro.
Mas, se assim for, o fundamental do processo não está na reforma administrativa mas no oportuno emagrecimento de funções do Estado.
E não leio ninguém, que a tenha lido, a asseverá-lo.
Mas, se de facto assim for…
Bem-haja, então, Senhor Primeiro-Ministro.
A.C.R.
Seia, 01.04.2006
Chamo-lhe perigosa, em vez de chamar-lhe negativa ou errada, para não dizer tudo duma vez só.
Quem tenha conhecido bem a máquina do funcionalismo, sobretudo se a conheceu de dentro mas também de fora, sabe com certeza, e pode até tê-lo descoberto em flagrante, sabe com certeza daquele gostinho requintado do funcionário, irresistível, saboreado e implicativo de criar exigências supérfluas, papéis e mais papéis, regulamentos, formulários, registos e procedimentos dispensáveis, repetitivos e minuciosos até ao absurdo.
Com que objectivo?
Pode não ser consciente, nem sequer o será correntemente e tem sempre o álibi da confiança e da segurança, hoje sublinhado ainda pelo perigo dos vírus dos computadores.
Mas o objectivo – chamemos-lhe sádico – existe como reflexo espontâneo e instintivo da tal segunda natureza de todo o funcionário que se preze, velho ou novo.
É o gosto sádico, repito, de o funcionário se sentir ou fazer indispensável para a resolução das complicações artificialmente criadas por ele e pelo sistema.
E isso acaba por confundir-se com uma forma de ambição de poder, o poder de torturar o próximo, única ambição que cabe nos casos extremos destes deformados do funcionalismo ou da função pública, alternativa que não é ilegítima, porque também aqui a função acaba por fazer o órgão.
Isto, se completamente verdadeiro, poderia levar-nos a concluir desde logo pela inutilidade de todas as pretensas reformas administrativas do Estado, isto é, dos serviços públicos. E mais: que aquilo que importaria seria reformar (reformular) as funções do Estado, porque sem isso, os seus serviços continuarão sempre a cair inevitavelmente nos vícios que conhecemos e que tanto obcecam os reformadores/salvadores das Pátrias.
Não nos antecipemos, para não desanimarmos os “salvadores” que agora temos, a começar pelo respeitabilíssimo e bem-intencionadíssimo Primeiro-Ministro, que ainda por cima se fixou um objectivo que a maioria, julgo eu, apoiaremos sem reservas: a aniquilação do Estado socialista construído estes anos todos com os resultados que se conhecem.
Em qualquer caso, não podemos estar tranquilos com a certeza da reforma supostamente exaustiva com que nos ameaçam.
Ao contrário do que se pensa, em geral as reformas boas tendem a ser piores que as reformas más. E é fácil de perceber porquê.
Primeiro, porque os funcionários não mudam nem deixam de o ser, só porque lhes fornecem um bom e afinado instrumento de trabalho. Pelo contrário, a segunda natureza deles, adquirida e aperfeiçoada em longa prática, tenderá inevitavelmente a deteriorar e corromper as melhores intenções e os métodos aparentemente mais inócuos e mais indeformáveis.
Em segundo lugar, porque não pode ser boa, seja que reforma for, quando posta ao serviço de finalidades, isto é, funções do Estado intoleráveis ou apenas indesejáveis.
Quando as responsabilidades que o Estado se atribui são abusivas ou apenas excessivas, se desempenhadas lestamente, sem entraves burocráticos, isso só serve para iludir melhor o pagode, dando um ar simpático e aliciante a funções que deveriam ser rejeitadas.
Já por aí se vê um dos perigos maiores das “boas” reformas.
Por esse ângulo, qualquer “boa” reforma só agrava os problemas dum país.
O menos que se pode dizer é que nenhuma reforma administrativa é boa, a não ser que ajude a destruir a cada vez mais gorda máquina estatal, no caso português o gordíssimo Estado socialista que ainda temos, aquilo exactamente de que os seus detractores dentro do P.S. acusam o Primeiro-Ministro.
Mas, se assim for, o fundamental do processo não está na reforma administrativa mas no oportuno emagrecimento de funções do Estado.
E não leio ninguém, que a tenha lido, a asseverá-lo.
Mas, se de facto assim for…
Bem-haja, então, Senhor Primeiro-Ministro.
A.C.R.
Seia, 01.04.2006