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2006/03/30

Funcionalismo público…
“Desconfiado de tudo e de todos”
Era assim há trinta anos. E hoje?... 

Conheci bem o funcionalismo público português, por dentro e por fora, sobretudo por dentro, até há trinta e um anos, altura em que abandonei o serviço do Estado, depois de o servir durante uns vinte e três sem interrupção. Ora na dependência do Ministério do Exército, ora do Ministério da Educação, ora do Ministério das Corporações e Previdência social, aqui durante os últimos dezanove.

Depois dediquei-me por inteiro à actividade privada, onde trabalho em exclusivo há trinta e um anos, desde 1975, e onde, como todos os empreendedores, em particular os empresários, tenho suportado largamente, do lado de fora, os inconvenientes e a capacidade para fazer sofrer os pacientes/impacientes, da parte dos serviços públicos.

As experiências negativas que tive – também passei por muitas experiências positivas – levaram-me a conhecer bem o caldo de cultura das piores características do funcionalismo, sobretudo do pessoal tipicamente burocrático.

A primeira dessas características era uma espécie de tendência para a condenação automática dos funcionários que trabalhavam mais.

Eram, como norma, visivelmente mal vistos por muitos dos outros aqueles que se destacavam, mesmo sem quererem, por tirarem mais rendimento do seu trabalho ou se aplicarem mais.

A tendência geral era pois para todos reduzirem o esforço ao nível mais baixo, de modo que ninguém sobressaísse.

Digamos que isto era talvez o mais corrente. Mas tão generalizado, sobretudo nos ministérios mais antigos, os que já vinham de antes de 1928, que se tornara uma segunda natureza de certo pessoal dos serviços públicos. Para o que aliás concorria também o factor segurança do emprego público, donde raramente se era demitido, a não ser por processo disciplinar, aliás muito longe de vulgarizado ou corrente.

Mas pior característica do funcionalismo talvez houvesse outra, embora por sua natureza menos generalizada. Assisti pessoalmente a casos de um ou outro funcionário que, pela sua criatividade, visão, capacidade de iniciativa, vontade de estudar e propor ideias novas, rapidamente se tornava um perigo para os outros. Não porque os prejudicasse nos seus objectivos e passividade bem autocontrolada, mas porque lhes ameaçava as rotinas, introduzindo a novidade e a inquietude que de algum modo acompanha a inovação.

Estes, sim, foram os casos de facto mais dramáticos que conheci, porque quase sempre acabaram na rejeição e ostracização dos funcionários que agitavam o mar parado e lamacento das repartições e serviços.

Não se salvavam, de facto, as carreiras desses funcionários, se algum ministro clarividente e determinado, às vezes o próprio presidente do Conselho de Ministros, não lhes deitasse a mão, contra ventos e marés.

Mas também havia uma outra característica que comummente se apontava ao funcionalismo e que funcionava de dentro para fora, a desconfiança dos funcionários em relação ao público, que à partida cada funcionário considerava um inimigo, potencial ou declarado, que estava ali – do lado de fora do balcão ou do guichet – para enganá-lo e estender-lhe armadilhas traiçoeiras.

Há dias o PM actual, ao anunciar o seu fulgurante “programa de simplificação administrativa”, chamou àquilo a “desconfiança de tudo e de todos” por parte da administração pública.

Quer dizer que continua a existir.

Quem diria?

Trinta e três anos depois de Abril!

Supostamente, deveria ter morrido ou sido varrida com o 25 de Abril.

Porque não desapareceu então?

Porque o 25 de Abril não adregou de entrar nas repartições e serviços públicos?

Ou seria o funcionalismo tão reaccionário que de facto conseguiu vencer Abril?

E pensar-se que houve quem imaginasse que os “saneamentos” iam acabar com essa “desconfiança de tudo e de todos”!

O eng.º José Sócrates parece pensar que não, parece pensar que está tudo pior, pelo menos dentro da administração pública.

Teremos, afinal, um PM contra-revolucionário?

Já nada deve espantar-nos.

A.C.R.

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