2004/01/23
POR CAUSA DELE
A respeito do tema do aborto, aqui se regista com muita satisfação o aparecimento do blogue POR CAUSA DELE do António Maria Pinheiro Torres.
MCR
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Etiquetas: Em Defesa da Vida
O ABORTO E O PROGRESSO DA HUMANIDADE
Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.
Nada há de novo no aborto. Este facto é, sem dúvida, o dado mais notável e supreendente das discussões recentes sobre este tema.
A sociedade moderna vive um desenvolvimento permanente e acelerado, que lhe cria muitos problemas novos. O progresso tecnológico e a evolução social estão continuamente a colocar à humanidade dificuldades diferentes e inesperadas, que estão na base dos grandes debates da actualidade. Em particular, muitas das grandes perplexidades morais do nosso tempo nascem dessa evolução. Os problemas da bioética e da contracepção, os direitos à privacidade e ao acesso à informação, as questões das minas anti-pessoais ou da guerra atómica e química são, entre muitos outros, situações levantadas pela evolução tecnológica da humanidade.
Mas essa evolução é praticamente irrelevante para o problema do aborto. É verdade que a medicina criou novas formas de matar o feto, mas esse facto é alheio ao problema moral envolvido. A questão do aborto, no essencial, coloca-se hoje da mesma forma que se colocava no Paleolítico ou na Antiguidade. A modernidade quase nada trouxe de novo ao problema. Este facto é, realmente surpreendente.
A surpresa desta constatação advém de ela colocar a questão de saber, afinal, porque razão existe hoje uma discussão tão acalorada sobre um problema que não mudou em milénios de civilização. Porque razão colocar de novo um problema que não tem nada de novo? A razão não está nos novos dados que a evolução social moderna coloca à moral. Ela só pode estar, portanto, na nova moral que a sociedade moderna tenta criar para si.
O problema do aborto não vem de novas tecnologias, de novas situações sociais ou de novas realidades económicas. Essas, se têm alguma influência, é no sentido de reduzir o apelo a esse crime, pois é hoje mais fácil resolver as situações de saúde da mãe, que antes sugeriam o recurso ao aborto, e estão disponíveis novos mecanismos de apoio sócio-económico para a criança recém-nascida.
Mas o que a sociedade moderna criou, ao lado das melhorias tecnológicas e sócio-económicas, foi um sentimento acrescido de egoísmo e de comodismo. Como a técnica nos resolveu muitos problemas, muitos passaram a achar razoável usar o crime, até de morte, para resolver os problemas que ainda têm. A discussão actual sobre o aborto não nasce dos avanços técnicos do homem moderno, mas do seu recuo moral.
Editado por Nova Arrancada, S.A.
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Nada há de novo no aborto. Este facto é, sem dúvida, o dado mais notável e supreendente das discussões recentes sobre este tema.
A sociedade moderna vive um desenvolvimento permanente e acelerado, que lhe cria muitos problemas novos. O progresso tecnológico e a evolução social estão continuamente a colocar à humanidade dificuldades diferentes e inesperadas, que estão na base dos grandes debates da actualidade. Em particular, muitas das grandes perplexidades morais do nosso tempo nascem dessa evolução. Os problemas da bioética e da contracepção, os direitos à privacidade e ao acesso à informação, as questões das minas anti-pessoais ou da guerra atómica e química são, entre muitos outros, situações levantadas pela evolução tecnológica da humanidade.
Mas essa evolução é praticamente irrelevante para o problema do aborto. É verdade que a medicina criou novas formas de matar o feto, mas esse facto é alheio ao problema moral envolvido. A questão do aborto, no essencial, coloca-se hoje da mesma forma que se colocava no Paleolítico ou na Antiguidade. A modernidade quase nada trouxe de novo ao problema. Este facto é, realmente surpreendente.
A surpresa desta constatação advém de ela colocar a questão de saber, afinal, porque razão existe hoje uma discussão tão acalorada sobre um problema que não mudou em milénios de civilização. Porque razão colocar de novo um problema que não tem nada de novo? A razão não está nos novos dados que a evolução social moderna coloca à moral. Ela só pode estar, portanto, na nova moral que a sociedade moderna tenta criar para si.
O problema do aborto não vem de novas tecnologias, de novas situações sociais ou de novas realidades económicas. Essas, se têm alguma influência, é no sentido de reduzir o apelo a esse crime, pois é hoje mais fácil resolver as situações de saúde da mãe, que antes sugeriam o recurso ao aborto, e estão disponíveis novos mecanismos de apoio sócio-económico para a criança recém-nascida.
Mas o que a sociedade moderna criou, ao lado das melhorias tecnológicas e sócio-económicas, foi um sentimento acrescido de egoísmo e de comodismo. Como a técnica nos resolveu muitos problemas, muitos passaram a achar razoável usar o crime, até de morte, para resolver os problemas que ainda têm. A discussão actual sobre o aborto não nasce dos avanços técnicos do homem moderno, mas do seu recuo moral.
Etiquetas: Em Defesa da Vida
2004/01/22
O ABORTO E O DESPEDIMENTO
Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.
Um dia, um político que se preparava para discursar num encontro para defender a legalização do aborto, teve um pequeno percalço. Enganou-se nos papéis e tirou do bolso um discurso que tinha feito na véspera, num sindicato, contra os despedimentos. Assim, quando chegou o momento de falar, ele levantou-se e disse:
“Será que uma pessoa que não é desejada numa empresa pode ser posta fora sem apelo nem agravo? Será que, só porque o patrão acha que aquela pessoa está a mais ali, poderá ter a liberdade de a despedir, cortando-lhe os meios de sobrevivência e destruindo-lhe a vida familiar? Dizer que a empresa passará dificuldades se mantiver esse trabalhador não pode ter comparação com o direito do trabalhador a uma vida digna. Existem direitos mínimos da pessoa que têm de ser respeitados! E a lei tem de proteger esses direitos!”
Nesse momento o político parou, atrapalhado, percebendo o erro que fizera. A audiência olhava para ele, surpreendida. Então, tossindo, para disfarçar, o político trocou os papéis e recomeçou a falar, dizendo:
“Como é que a lei pode obrigar uma mãe a ter um filho que ela não deseja? Deve ser dada à mãe a capacidade de decidir se quer ter ou não dar a vida àquele filho. Se a mãe vai ter dificuldades na vida para educar seriamente aquele filho, ela deve ter a liberdade de decidir não ter o filho. Existem direitos mínimos da pessoa que têm de ser respeitados! E a lei tem de proteger esses direitos!”
Nesse momento o político parou. A assembleia continuava a olhar para ele surpreendida. De repente, toda aquela gente tomou consciência da duplicidade de critérios da nossa sociedade. E perceberam como eles próprios, com a sua luta, criavam a maior injustiça, protegendo alguns e desprotegendo completamente outros. Compreenderam como eles afirmavam proteger a justiça, ao defender os trabalhadores mais fracos da exploração dos patrões e, no mesmo fôlego, queriam desproteger os mais fracos dos seres humanos, os bebés antes de nascerem. Notaram como lutavam denodadamente pelo direito ao emprego e lutavam denodadamente contra o direito à vida. “E todos, começando pelos mais velhos, se foram retirando”.
Editado por Nova Arrancada, S.A.
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Um dia, um político que se preparava para discursar num encontro para defender a legalização do aborto, teve um pequeno percalço. Enganou-se nos papéis e tirou do bolso um discurso que tinha feito na véspera, num sindicato, contra os despedimentos. Assim, quando chegou o momento de falar, ele levantou-se e disse:
“Será que uma pessoa que não é desejada numa empresa pode ser posta fora sem apelo nem agravo? Será que, só porque o patrão acha que aquela pessoa está a mais ali, poderá ter a liberdade de a despedir, cortando-lhe os meios de sobrevivência e destruindo-lhe a vida familiar? Dizer que a empresa passará dificuldades se mantiver esse trabalhador não pode ter comparação com o direito do trabalhador a uma vida digna. Existem direitos mínimos da pessoa que têm de ser respeitados! E a lei tem de proteger esses direitos!”
Nesse momento o político parou, atrapalhado, percebendo o erro que fizera. A audiência olhava para ele, surpreendida. Então, tossindo, para disfarçar, o político trocou os papéis e recomeçou a falar, dizendo:
“Como é que a lei pode obrigar uma mãe a ter um filho que ela não deseja? Deve ser dada à mãe a capacidade de decidir se quer ter ou não dar a vida àquele filho. Se a mãe vai ter dificuldades na vida para educar seriamente aquele filho, ela deve ter a liberdade de decidir não ter o filho. Existem direitos mínimos da pessoa que têm de ser respeitados! E a lei tem de proteger esses direitos!”
Nesse momento o político parou. A assembleia continuava a olhar para ele surpreendida. De repente, toda aquela gente tomou consciência da duplicidade de critérios da nossa sociedade. E perceberam como eles próprios, com a sua luta, criavam a maior injustiça, protegendo alguns e desprotegendo completamente outros. Compreenderam como eles afirmavam proteger a justiça, ao defender os trabalhadores mais fracos da exploração dos patrões e, no mesmo fôlego, queriam desproteger os mais fracos dos seres humanos, os bebés antes de nascerem. Notaram como lutavam denodadamente pelo direito ao emprego e lutavam denodadamente contra o direito à vida. “E todos, começando pelos mais velhos, se foram retirando”.
Etiquetas: Em Defesa da Vida
2004/01/21
A HIPOCRISIA NO ABORTO
Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Anda por aí, na sociedade portuguesa, um raciocínio notável, com uma lógica extraordinária. Em poucas palavras, a ideia é mais ou menos assim: “existem muito abortos clandestinos em Portugal (mais de dez mil por ano segundo algumas estimativas); a sociedade, hipocritamente, ignora esses casos e a lei castiga quem os pratica, em consequência, deve-se despenalizar o aborto”.
O raciocínio é cristalino! Se a sociedade pratica, devemos admitir a prática e legalizá-la. Parece ser uma atitude eminentemente democrática, usando o sufrágio social para definir os valores. Desenvolvendo esta ideia, devemos exigir, por exemplo, a despenalização imediata da fuga ao fisco. Trata-se de uma prática muito mais comum que o aborto clandestino, pois há muito mais que dez mil casos por ano. A sociedade também ignora, hipocritamente, a evasão fiscal, e a lei castiga os infractores. Um caso nítido para a despenalização!
Aliás, esta ideia pode-se estender a muitas outras situações, do roubo à violência, da injúria à burla. Todas estas práticas são muito frequentes (muito mais frequentes que o aborto), a sociedade ignora-as hipocritamente e a lei penaliza-as. Mas se se achar que estes casos são diferentes do referido, existe um em que o paralelismo é tão imediato que exige aplicação directa da mesma ideia: o trabalho infantil. É uma prática comum na sociedade portuguesa, realizada por motivos de ordem económica, tal como alegadamente muitos abortos o são, e a sociedade ignora e a lei penaliza. Em consequência, a atitude correcta seria a de despenalizar imediatamente o trabalho infantil. E até, quem sabe, subsidiar as empresas que empregam crianças, tal como se acha que se deviam apoiar as instituições que praticam abortos. A lógica é a mesma. Se a sociedade faz, a lei deve permitir. Lógico, não acham?
É extraordinário que os mesmos que lutam contra o trabalho infantil, a exploração ou a violência sobre menores se manifestam para tornar legal que os irmãozinhos dessas crianças possam ser mortos antes mesmo de nascerem! A falta de coerência é tanta que é caso para falar de hipocrisia. A mesma da que eles acusam a sociedade.
O problema do aborto é muito complexo e delicado, tocando o íntimo mais profundo do ser humano, na sua realidade última. Mas um dos elementos que, indiscutivelmente, o integram é que se trata de um crime. Matar um inocente é mal! Sempre foi, em todas as culturas, povos e regiões.
Não vou sequer tocar a questão de saber em que momento começa a vida no seio materno. Parece que alguns cientistas têm dúvidas. Mas todas as mães e todos os pais, em todos os tempos e em todo o mundo sempre tiveram a certeza de que aquele era seu filho. Invocar o argumento de que alguns cientistas têm dúvidas quanto ao momento do início da vida é, isso sim, grande hipocrisia.
E se alguém tivesse alguma dúvida, completamente injustificada, sobre esse momento, aos cinco meses (note-se que as vinte semanas de que se fala são cinco meses), aí já não restam quaisquer incertezas: trata-se de uma pessoa, que mexe, comunica com a mãe e o mundo e cresce a olhos vistos. “Interromper a gravidez” é impedir que essa pessoa viva. E, em linguagem de gente, “impedir que viva” é matar.
É por isso, e não por qualquer hipocrisia, que a sociedade condena e penaliza o acto: o aborto é crime de morte. Um crime tanto mais horrendo porquanto é praticado sobre quem é completamente inocente, não se pode defender, e tem toda a vida à sua frente. Que seja permitido praticar este acto legalmente é um recuo de milénios na civilização. É para conseguir esse recuo que lutam os que acusam a sociedade de hipocrisia!
Mas o mais notável nesta discussão, dez anos após a aprovação da lei assassina que hoje nos rege nesta matéria, é que a discussão agora já nem trata do momento em que começa a vida. Já nem se procura, sequer, dizer que não se está a matar a criança.
Assume-se que existe a morte, mas invocam-se argumentos de conveniência para a praticar. Perdeu-se a vergonha. E, ao mesmo tempo, a lógica, porque os argumentos invocados são “pérolas de coerência”. Vejamos. A novidade mais patética deste “segundo round” da legalização do aborto é a introdução de chamados “argumentos técnicos”. Os médicos afirmam tecnicamente que existem malformações congénitas que a ciência só consegue detectar na fase mais avançada da gravidez, razão pela qual se deve estender o prazo do aborto legal. A verdade é que há malformações que só são detectáveis depois do parto e até aos cinco, dez ou vinte anos de idade. Segundo essa lógica, aliás retirada do código de ética nazi, deveria ser admissível eliminar esses “infra-humanos” na data em que a ciência os detecta, certamente para promover a “pureza da raça”.
Mas neste argumento existe uma perversidade ainda maior. É que a questão é posta do ponto de vista do médico. Com que cara é que ele fica se avisar os pais de que o seu filho está mal formado, duas ou três semanas depois do prazo do aborto legal? Nessa altura já não lhes é possível usar essa “solução legítima” para o problema! No fundo, o argumento científico para a extensão da lei é apresentado para resolver um problema sindical da classe médica. Mate-se a criança, mas que o médico não perca a face perante o cliente!
No caso da violação, os mesmos que (muito bem) nunca aceitariam a pena de morte para o violador são os que aceitam que a única parte sem qualquer culpa no drama (e para mais filha das outras duas partes) seja a que é punida pela morte. Este é o “grande avanço da civilização” que se pretende introduzir na nossa ordem jurídica, o tema que justifica a luta empenhada de tantos.
E a novidade final deste segundo ataque contra a vida dos bebés antes de nascerem vem do facto de que, desta vez, quem tomou a liderança da discussão foram os autores do aborto, ou seja, aqueles que fazem dinheiro com os dramas dos outros.
O aborto é um terrível drama humano para quem o sofre. As mães e os pais que, em condições-limite, o cometem, viverão toda a vida com a morte daquele filho que nunca chegaram a ter. O sofrimento envolvido é tremendo e merece toda a nossa compreensão. E esse sofrimento não diminui, antes aumenta, a gravidade do crime.
É exactamente por causa da gravidade do drama humano envolvido que a forma como ele é tratado, hoje, em Portugal constitui um profundo atentado à dignidade humana, à lei, à lógica e à coerência. Aqueles que tratam tais questões deste modo podem ser acusados, entre muitas outras coisas, de hipocrisia. Exactamente o mesmo de que acusam a sociedade.
(Diário de Notícias, 11 de Novembro de 1996)
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2004/01/20
Um grito a favor da vida
Cobertura de uma intervenção cirúrgica para espinha bífida, realizada dentro do útero materno num feto de apenas 21 semanas de gestação
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O REGRESSO DO ABORTO
Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Doutorado e Licenciado em Economia. Mestre em Investigação Operacional e Engenharia de Sistemas pela Universidade Técnica de Lisboa. Foi investigador do Banco de Portugal e assessor económico do Primeiro Ministro Cavaco Silva. É Professor de Economia da Universidade Católica Portuguesa e membro da Comissão Nacional Justiça e Paz.
Ao fim de menos de um ano, os projectos de lei sobre o aborto voltam a ser apresentados na Assembleia da República. Qualquer pessoa desapaixonada vê que, se esta assembleia, em tão curto período e na mesma legislatura, tomar duas posições opostas sobre uma matéria de tal gravidade e delicadeza, perde muita da sua autoridade e seriedade democráticas. Voltaríamos ao regabofe irresponsável da democracia do século passado. Infelizmente, no Parlamento como noutros lugares, a ânsia de vingar a honra ferida é cega e não recua, nem perante o flagrante ridículo.
Ridículo é coisa que não falta nesta discussão. Um dos argumentos mais incríveis que têm sido usados pelos defensores da liberalização é a acusação de “extremismo” aos seus adversários. Segundo eles, os que recusam o aborto querem consagrar na lei nacional meras opções morais e religiosas particulares e assim atentam contra a liberdade de escolha de todos. Vale a pena clarificar a situação. As pessoas que recusam o aborto não são mais santas que as outras nem querem ensinar moral a ninguém. São simplesmente pessoas iguais a todas, que dizem que matar bebés antes de estes nascerem é perverso.
Note-se, aliás, que esta posição é a dominante em Portugal, desde sempre. E, tanto quanto se saiba, ainda o é hoje, visto que ninguém deixa os portugueses pronunciarem-se sobre isso. Matar bebés antes de nascerem era perverso quando a lei o reprimia. É perverso hoje, quando a lei o tolera, e continuará a ser perverso amanhã, quer os projectos de lei sejam aprovados quer não. Aliás, a questão tem pouco a ver com a lei. O que é mau é o aborto. A lei tem de ser combatida só como um instrumento dessa maldade.
Mas o combate ao aborto não se fica pela lei. Muitas são as instituições que trabalham já hoje, silenciosamente, nas outras frentes, apoiando as mulheres em terríveis situações. Ao contrário dos que apoiam a lei, esses conhecem bem a realidade do aborto. O drama de uma mãe que procura fazer um aborto está, certamente, entre os sofrimentos mais profundos e agudos que alguém pode viver. E é também por isso que a atitude displicente e desresponsabilizadora face ao aborto tem de ser combatida. Em nome do sofrimento de consciência daquelas que o cometem.
Todos estamos de acordo que o flagelo do aborto clandestino é mau. Simplesmente, legalizá-lo não resolve o problema. Ele deixa de ser clandestino, mas continua a ser flagelo. Será que os que recusam a mudança da lei é que são extremistas? Também aqui é preciso analisar a situação actual e o que se propõe de novo, para avaliar em que ponto está a questão.
Actualmente, uma mulher que cometa o aborto, mesmo nas vésperas do parto e sem qualquer razão, pode ter no máximo três anos de prisão (artº 140º, nº 3, do Código Penal). Curiosamente, esta é exactamente a mesma pena para quem destruir a fauna e a flora de forma grave (artº 278º, nº 1). Isso quer dizer que, se alguém matar um lobo-ibérico ou uma águia-pesqueira, se sujeita à mesma pena que quem matar um bebé antes de nascer. E como, no caso do aborto, já existe uma enorme quantidade de situações em que esse crime é “não punível”, é já hoje objectivamente verdade que o bebé antes de nascer tem menos protecção legal que um animal.
Isto é o que diz a lei portuguesa, hoje. Os projectos apresentados querem a liberalização completa. O projecto do PS inclui a liberdade para o aborto, a pedido da mulher, “durante as primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social e ou maternidade responsável”, e até às primeiras 16 semanas de gravidez, “para evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física e psíquica da mulher grávida, designadamente por razões de natureza económica e social”.
Assim, pretende-se que se possa matar um bebé antes de nascer por razões de “dignidade social” e “de natureza económica e social”. Mas os mesmos que pretendem isto são os primeiros a preparar subsídios para impedir que as empresas em dificuldades fechem por razões de natureza económica e social. E não têm dinheiro para dar às mães de forma a impedir que elas matem os seus filhos por razões de natureza económica e social!
Os mesmos que pretendem isto querem proteger o lince da serra da Malcata e o esturjão comum. É proibido matar as espécies protegidas, mesmo com razões de natureza económica e social. Mas os bebés antes de nascerem nem sequer podem ser incluídos na lista dos animais protegidos. Passariam à condição de gado, que pode ser morto por razões de natureza económica e social. O bebé antes de nascer, segundo a lei portuguesa, pode ser perfilhado (artº 1847º, 1854º e 1855º do Código Civil), pode receber doações (artº 952º) e heranças (artº 2033º). Mas a sua morte conta menos do que a de um animal. E depois dizem que são os que se opõem a estes projectos que são extremistas!
No fundo, por detrás deste problema está uma atitude que foi descrita de forma brilhante por Eça de Queirós, no pequeno romance O Mandarim. Aí, como se sabe, conta-se a história de Teodoro, um amanuense do Ministério do Reino, a quem uma noite aparece, sobre a mesa-de-cabeceira, uma campainha. Se ele a tocar, morrerá um mandarim no fundo da China e Teodoro herdará todas as suas riquezas. Tal como Teodoro n’O Mandarim, muitas mulheres pensam que basta uma pequena operação para se verem livres de muitos problemas. Tal como n’O Mandarim, os nossos parlamentares acham que basta aprovar uma lei para acabar o flagelo do aborto. Mas o cadáver do mandarim recusa-se a desaparecer.
A argumentação dos abortistas é hoje igual à do Demónio d’O Mandarim: “Matar, meu filho, é quase sempre equilibrar as necessidades universais. É eliminar aqui a excrescência para ir ali suprir a falta”. A resposta tem de ser a da consciência do Teodoro de Eça de Queirós: “Ainda na sua actividade mais resumida, a vida é um bem supremo: porque o encanto dela reside no seu princípio mesmo, e não na abundância das suas manifestações”.
(Diário de Notícias, 2 de Fevereiro de 1998)
Editado por Nova Arrancada, S.A.
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Doutorado e Licenciado em Economia. Mestre em Investigação Operacional e Engenharia de Sistemas pela Universidade Técnica de Lisboa. Foi investigador do Banco de Portugal e assessor económico do Primeiro Ministro Cavaco Silva. É Professor de Economia da Universidade Católica Portuguesa e membro da Comissão Nacional Justiça e Paz.
Ao fim de menos de um ano, os projectos de lei sobre o aborto voltam a ser apresentados na Assembleia da República. Qualquer pessoa desapaixonada vê que, se esta assembleia, em tão curto período e na mesma legislatura, tomar duas posições opostas sobre uma matéria de tal gravidade e delicadeza, perde muita da sua autoridade e seriedade democráticas. Voltaríamos ao regabofe irresponsável da democracia do século passado. Infelizmente, no Parlamento como noutros lugares, a ânsia de vingar a honra ferida é cega e não recua, nem perante o flagrante ridículo.
Ridículo é coisa que não falta nesta discussão. Um dos argumentos mais incríveis que têm sido usados pelos defensores da liberalização é a acusação de “extremismo” aos seus adversários. Segundo eles, os que recusam o aborto querem consagrar na lei nacional meras opções morais e religiosas particulares e assim atentam contra a liberdade de escolha de todos. Vale a pena clarificar a situação. As pessoas que recusam o aborto não são mais santas que as outras nem querem ensinar moral a ninguém. São simplesmente pessoas iguais a todas, que dizem que matar bebés antes de estes nascerem é perverso.
Note-se, aliás, que esta posição é a dominante em Portugal, desde sempre. E, tanto quanto se saiba, ainda o é hoje, visto que ninguém deixa os portugueses pronunciarem-se sobre isso. Matar bebés antes de nascerem era perverso quando a lei o reprimia. É perverso hoje, quando a lei o tolera, e continuará a ser perverso amanhã, quer os projectos de lei sejam aprovados quer não. Aliás, a questão tem pouco a ver com a lei. O que é mau é o aborto. A lei tem de ser combatida só como um instrumento dessa maldade.
Mas o combate ao aborto não se fica pela lei. Muitas são as instituições que trabalham já hoje, silenciosamente, nas outras frentes, apoiando as mulheres em terríveis situações. Ao contrário dos que apoiam a lei, esses conhecem bem a realidade do aborto. O drama de uma mãe que procura fazer um aborto está, certamente, entre os sofrimentos mais profundos e agudos que alguém pode viver. E é também por isso que a atitude displicente e desresponsabilizadora face ao aborto tem de ser combatida. Em nome do sofrimento de consciência daquelas que o cometem.
Todos estamos de acordo que o flagelo do aborto clandestino é mau. Simplesmente, legalizá-lo não resolve o problema. Ele deixa de ser clandestino, mas continua a ser flagelo. Será que os que recusam a mudança da lei é que são extremistas? Também aqui é preciso analisar a situação actual e o que se propõe de novo, para avaliar em que ponto está a questão.
Actualmente, uma mulher que cometa o aborto, mesmo nas vésperas do parto e sem qualquer razão, pode ter no máximo três anos de prisão (artº 140º, nº 3, do Código Penal). Curiosamente, esta é exactamente a mesma pena para quem destruir a fauna e a flora de forma grave (artº 278º, nº 1). Isso quer dizer que, se alguém matar um lobo-ibérico ou uma águia-pesqueira, se sujeita à mesma pena que quem matar um bebé antes de nascer. E como, no caso do aborto, já existe uma enorme quantidade de situações em que esse crime é “não punível”, é já hoje objectivamente verdade que o bebé antes de nascer tem menos protecção legal que um animal.
Isto é o que diz a lei portuguesa, hoje. Os projectos apresentados querem a liberalização completa. O projecto do PS inclui a liberdade para o aborto, a pedido da mulher, “durante as primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social e ou maternidade responsável”, e até às primeiras 16 semanas de gravidez, “para evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física e psíquica da mulher grávida, designadamente por razões de natureza económica e social”.
Assim, pretende-se que se possa matar um bebé antes de nascer por razões de “dignidade social” e “de natureza económica e social”. Mas os mesmos que pretendem isto são os primeiros a preparar subsídios para impedir que as empresas em dificuldades fechem por razões de natureza económica e social. E não têm dinheiro para dar às mães de forma a impedir que elas matem os seus filhos por razões de natureza económica e social!
Os mesmos que pretendem isto querem proteger o lince da serra da Malcata e o esturjão comum. É proibido matar as espécies protegidas, mesmo com razões de natureza económica e social. Mas os bebés antes de nascerem nem sequer podem ser incluídos na lista dos animais protegidos. Passariam à condição de gado, que pode ser morto por razões de natureza económica e social. O bebé antes de nascer, segundo a lei portuguesa, pode ser perfilhado (artº 1847º, 1854º e 1855º do Código Civil), pode receber doações (artº 952º) e heranças (artº 2033º). Mas a sua morte conta menos do que a de um animal. E depois dizem que são os que se opõem a estes projectos que são extremistas!
No fundo, por detrás deste problema está uma atitude que foi descrita de forma brilhante por Eça de Queirós, no pequeno romance O Mandarim. Aí, como se sabe, conta-se a história de Teodoro, um amanuense do Ministério do Reino, a quem uma noite aparece, sobre a mesa-de-cabeceira, uma campainha. Se ele a tocar, morrerá um mandarim no fundo da China e Teodoro herdará todas as suas riquezas. Tal como Teodoro n’O Mandarim, muitas mulheres pensam que basta uma pequena operação para se verem livres de muitos problemas. Tal como n’O Mandarim, os nossos parlamentares acham que basta aprovar uma lei para acabar o flagelo do aborto. Mas o cadáver do mandarim recusa-se a desaparecer.
A argumentação dos abortistas é hoje igual à do Demónio d’O Mandarim: “Matar, meu filho, é quase sempre equilibrar as necessidades universais. É eliminar aqui a excrescência para ir ali suprir a falta”. A resposta tem de ser a da consciência do Teodoro de Eça de Queirós: “Ainda na sua actividade mais resumida, a vida é um bem supremo: porque o encanto dela reside no seu princípio mesmo, e não na abundância das suas manifestações”.
(Diário de Notícias, 2 de Fevereiro de 1998)
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